segunda-feira, 9 de julho de 2007

A BISSEXUALIDADE EM QUESTÃO

Bissexualidade Masculina.
Embora a existência de comportamentos bissexuais masculinos não possa ser desmentida, falta saber se estes comportamentos são motivados por forte excitação e atracção sexuais por ambos os sexos. Krafft-Ebing (1886) já tinha sugerido que a maioria dos seus casos clínicos de homens com actividade bissexual tinha sexo com mulheres por causa das pressões sociais, mas tinham atracção sexual exclusivamente ou quase exclusivamente por homens. Eram, portanto, pseudo-heterossexuais, no nossa terminologia. Hirschfeld (1914/2001) conjecturou que a maioria dos homens que se auto-designavam como bissexuais eram ou homossexuais (pseudo-heterossexuais) ou heterossexuais (pseudo-homossexuais) e que os homens com atracções bissexuais substanciais eram muito raros. Um dos pioneiros da medição da excitação genital masculina, Freund (1974), afirmou que, depois de avaliar a excitação genital em centenas de homens, nunca encontrou evidência convincente da existência de padrões de excitação bissexual. Daqui que a existência de dupla atracção (Weinberg, Williams & Pryor, 1994) e de excitação bissexual seja muito controversa e pouco compreendida (Fox, 2000; MacDonald, 2000; Zinik, 2000).
As nossas observações de campo (16 anos de pesquisa de terreno) mostram que a maioria dos homens que exibem comportamentos bissexuais são predominantemente homossexuais. Por isso, foram classificados como pseudo-heterossexuais, porque muitíssimos são casados heterossexualmente e têm filhos, e incluídos no subtipo de homossexuais-encobertos, porque têm regularmente relações homossexuais, mas nem sempre desempenhando o papel activo, como supõe Cardoso (2005). Existem bissexuais completamente passivos que, no momento certo, «deixam os efeminados à beira de um ataque de nervos», mas no geral tendem a ser mais activos e, no meio electrónico, bissexual significa homem casado heterossexualmente.
Embora menos significativa, a existência de pseudo-homossexuais não pode ser excluída, conforme detectada pelos estudos dos comportamentos sexuais nas prisões (Alarid, 2000). Num meio exclusivamente masculino e fechado como as prisões e instituições similares, o aspecto e as preferências sexuais desempenham um papel fundamental na determinação de «quem faz o quê a quem». Como seria de esperar, os homens heterossexuais preferem parceiros com aspecto feminino e bonitos (Rideau & Sinclair, 1982; Wooden & Parker, 1982) e, por isso, não é surpreendente que assediem e forcem os homossexuais e bissexuais ou os mais novos a fazerem sexo com eles, em troca de protecção. Os homens efeminados não são considerados desejáveis pelos homens auto-identificados como gay (Wooden & Parker, 1982). Price (1984), Rideau & Sinclair (1982) e Wooden & Parker (1982) explicaram esta tendência dos homens heterossexuais envolvidos em actividades homossexuais de preferirem parceiros sexuais «femininos» através da sua necessidade de afirmarem e sustentarem a sua própria masculinidade. No entanto, não sugeriram que os homens gay têm também necessidade de afirmarem a sua própria feminilidade, no caso de serem efeminados, ou masculinidade, no caso de serem masculinizados. Estes estudos revelam muitas inconsistências devido ao facto de não diferenciarem as sexualidades de género masculino e de não terem em conta que, na comunidade gay, os homossexuais procuram parceiros cujas preferências sexuais sejam compatíveis com as suas. O papel sexual preferido condiciona fortemente todas as outras preferências do sujeito.
Estes homens heterossexuais que, nas prisões, fazem sexo com outros homens enquadram-se na categoria dos pseudo-homossexuais, e os seus comportamentos homossexuais são muitas vezes designados como «actividades de recurso na ausência de mulheres». No entanto, os que falam de homossexualidade situacional esquecem que até mesmo numa prisão essas actividades podem ocorrer com forte envolvimento afectivo e que esses homens, bem como os jovens prostitutos masculinos, são capazes de reagir eroticamente a estímulos masculinos, com fortes erecções e abundante troca de carícias e beijos. Como demonstrou Alarid (2000), os homens bissexuais que preferem predominantemente mulheres e são sexualmente activos sentem-se menos seguros e mais pressionados pelos outros para fazerem sexo. Estas observações exigem que se dê mais atenção aos comportamentos homosociais e que se estude o seu papel ao longo da evolução humana, porquanto parecem apontar para um novo conceito de sexualidade de género masculino. Ao longo do tempo, verificámos que muitos prostitutos masculinos supostamente heterossexuais que fazem sexo com homens em troca de dinheiro começaram a fazer sexo grátis com homens que consideram atractivos e, mesmo que se casem mais tarde ou já sejam casados, não deixam de ter sexo com outros homens.
Três estudos confirmam a nossa suspeita de que não existe um padrão especificamente bissexual. Chivers, Rieger, Latty & Bailey (2004) descobriram que a excitação sexual é uma categoria especificamente masculina: os homens heterossexuais são mais excitáveis por estímulos sexuais femininos do que por estímulos sexuais masculinos, enquanto os homens homossexuais exibem o padrão oposto. As mulheres heterossexuais e homossexuais experimentam uma elevada excitação genital por estímulos sexuais femininos e masculinos e os transexuais exibem um padrão similar ao masculino. Estes resultados sugerem que os padrões de excitação sexual desempenham papéis fundamentalmente diferentes na sexualidade masculina e feminina. Lippa (2006) confirmou estes resultados, mostrando que a maioria das mulheres revela elevado «sex drive» associado com o aumento de atracção sexual por ambos os géneros. De modo diverso, a maioria dos homens mostra elevado «sex drive» associado somente a um ou a outro sexo, em função da orientação sexual do indivíduo. Daqui parece resultar a ideia de que as correlações entre «sex drive» e a organização da orientação sexual são diferentes nos homens e nas mulheres. A sexualidade feminina é muitíssimo mais fluída e maleável do que a sexualidade masculina (Baumeister, 2000; Diamond, 2000). O estudo de Rieger, Chivers & Bailey (2005) descobriu que os homens bissexuais não exibem elevada excitação sexual por estímulos sexuais masculinos e femininos: uns exibem um padrão homossexual, outros, um padrão heterossexual de excitação genital. Mas, como a sua excitação sexual subjectiva está em conformidade com um padrão bissexual, Rieger, Chivers & Bailey (2005) concluem que a bissexualidade masculina parece representar mais um estilo de interpretação ou de auto-relato de excitação sexual do que um padrão distinto de excitação genital sexual.
Estes estudos apontam para o carácter bimodal e rígido da orientação sexual masculina e destacam aquilo a que chamamos o mecanismo configurador de estímulos eroticamente excitantes, subjacente à determinação da orientação sexual. A tentativa de Weinberg, Williams & Pryor (1994) de elaborar o conceito de bissexualidade como dupla atracção, capaz de transcender o «esquema tradicional do sexo», carece de fundamento biológico. A classificação dos bissexuais como terceira categoria sexual e supostamente activos na preferência pelo papel sexual dificulta mais do que clarifica o estudo científico da orientação sexual.
Joaquim Francisco Saraiva de Sousa (Extracto alterado da Tese de Doutoramento)

2 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Uma questão que me colocam frequentemente é a de saber se os homens que se identificam como heterossexuais e que, no entanto, fazem sexo com outros homens, são ou não são bissexuais. É difícil responder a esta questão... A resposta gay mais corrente é a seguinte: «Sabes que depois de se beijar um homem, descobre-se que não há melhor, apesar do papa dizer que é pecado». Isto foi-me dito literalmente por um enfermeiro que, apesar de namorar com uma rapariga, fazia regularmente sexo com outros homens e identificava-se intimamente como gay. No entanto, tenho constatado a existência genuína de homens heterossexuais que fazem ocasionalmente sexo com outros homens. Identificam-se como heterossexuais e alguns são ou preferem ser passivos numa relação homossexual. É difícil explicar este comportamento numa perspectiva biológica, mas talvez esteja relacionado com alguns traços narcisistas exibidos por esses indivíduos.

Jonas disse...

A maneira de saber se se é heterossexual ou homossexual resume-se a isto: ao género da imagem mental (involuntária) que surja aquando do orgasmo, independentemente do parceiro/a sexual da altura ou do tipo de fantasia sexual ou visualização pornográfica (em caso de masturbação). Se a imagem for de alguém do sexo oposto, é-se heterossexual; caso contrário, é-se homossexual.