quinta-feira, 12 de julho de 2007

Regresso ao Lar: Desconstrução de Portugal

REGRESSO AO LAR
Regresso ao Lar: eis um título que faz pensar!
Meditar sobre o regresso ao lar é meditar, a propósito de um poema de Guerra Junqueiro, sobre uma experiência humana verdadeiramente universal. Quem que seja homem nunca viveu uma tal experiência? O poema de Guerra Junqueiro trata de uma experiência que foi vivida, de algum modo e frequentemente, por qualquer homem, no passado, no presente e no futuro. De resto, na literatura ocidental, Homero foi provavelmente o primeiro poeta a relatar na Odisseia o mais famoso regresso ao lar: o de Ulisses a Ítaca.
O seu sentido não se esgota na intenção, nas emoções ou mesmo na experiência do seu autor. Guerra Junqueiro é somente mais um homem que escreveu um poema sobre uma experiência humana universal. A experiência é dita e escrita numa determinada língua. Quem não conheça essa língua não pode compreender o que é dito nesse poema, embora tenha vivido essa experiência que é dita, escrita e recitada em língua portuguesa.
A língua sobrecarrega de sentido o que é dito no poema por meio de si mesma, mas o poema também enriquece a língua, acrescentando-lhe novas camadas de sentido. O conhecimento da língua portuguesa é necessário para ler e compreender o poema. A língua é um lar: interpretar o poema nessa mesma língua é regressar à própria língua, é meditar sobre a própria língua que «corporiza» a experiência humana dos seus utentes ao longo da sua história.
A meditação que se segue é uma meditação sobre a língua portuguesa e o seu potencial filosófico: a língua portuguesa é confrontada, na sua essência, com a Filosofia e, nesse confronto, em que ela é o meio, mostra as suas credenciais filosóficas. O potencial filosófico de uma língua avalia-se em função da sua capacidade para traduzir o pensamento sedimentado noutras línguas e em si mesma. Nesta capacidade reside a sua universalidade, de resto conquistada à custa dos seus constrangimentos históricos-epocais. Trata-se de uma meditação filosófica elaborada contra a tese de Teixeira de Pascoaes e seus seguidores lusófonos. A língua portuguesa permite dizer, traduzir e criar uma (ou várias) filosofia(s), sem se afundar na saudade. A saudade é o que há de mais pobre na língua portuguesa: é aquilo que provavelmente não pode ser partilhado intersubjectivamente por uma comunidade universal, a menos que a saudade seja um mito inventado pelos inimigos de Portugal.
A tese de Teixeira de Pascoaes reza assim: «O génio da Língua é a essência espiritual emanada dos seus vocábulos intraduzíveis, que se pode sintetizar numa expressão mais ou menos definida»[1]. Ora, um desses vocábulos intraduzíveis é a saudade; daí que um pensamento especificamente lusitano deva ser uma filosofia da saudade. É contra um tal projecto de pensamento lusófono que iremos elaborar uma filosofia dita em Língua Portuguesa, mas essa filosofia já tem um nome: Teoria Crítica.

[1] PASCOAES, Teixeira de — Arte de Ser Português, 2ª ed.. Lisboa: Assírio & Alvim, 1993, p.75.
Queria ler mais? Não escrevo para luso-mediocridades, mas por prazer.
J Francisco Saraiva de Sousa

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