quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O Riso e o Choro

Introdução à Antropologia BioFilosófica de Plessner
Portugal é um país pobre em termos editoriais e isto porque os seus universitários são geralmente pessoas pouco dotadas intelectual e culturalmente, sobretudo no que se refere à Filosofia e às Ciências do Espírito Humano. Contudo, apesar desta ausência maldosa de cultura, o filósofo que vos quero apresentar foi vítima da Segunda Guerra Mundial, que o privou do contacto com os meios académicos alemães. Quando fiz a minha tese de mestrado, ninguém em Portugal, nomeadamente na Universidade, conhecia a antropologia filosófica de Plessner ou mesmo a de Arnold Gehlen. E, como sucede nestas ocasiões, aquele que procura inovar, neste caso eu próprio, é, de algum modo, «penalizado». Os nossos académicos não suportam a novidade e a profundidade científica. Sentem-se ameaçados, provavelmente confrontados com a sua terrível mediocridade, e reagem negativamente, de modo a conservar o seu falso status. Os estudantes inteligentes, verdadeiramente inteligentes, devem ser avisados sobre este traço da personalidade académica nacional; caso contrário, se não souberem «dar palha ao burro» (expressão do meu Professor de NeuroAnatomia), são simplesmente liquidados.
A obra de antropologia de Plessner (1892-1985) é muito superior à analítica existencial de Heidegger e, no entanto, este último é muito mais conhecido do que Plessner. Em 1928, Plessner publicou a sua primeira e maior obra de antropologia filosófica, «Die Stufen des Organischen und der Mensch». E, mais tarde, no seu exílio holandês, em 1941, publica «Lachen und Weinen» (O Riso e o Choro), que pode ser vista como uma actualização da sua obra anterior, onde Plessner procura mostrar a superioridade da sua reflexão antropológica sobre a filosofia existencial de Heidegger. Por isso, optámos pela sua apresentação, de resto mais simples de explicar do que o seu clássico de antropologia.
Numa das suas últimas obras, «Conditio Humana», Plessner resume a sua concepção do riso e do choro, quando afirma que ambos são reacções perante alguns limites (a noção de Jaspers de situação-limite) contra os quais tropeça a nossa conduta. Isto significa que são manifestações de uma impotência humana que derivam basicamente do carácter elementar da nossa vida e dependem da estrutura do comportamento humano, constituindo os seus limites. De todas as possibilidades miméticas do homem, o riso e o choro são as mais imprescindíveis, porque revelam a sua incapacidade de articular respostas mediante as expressões «normais», aquelas que se exprimem através da linguagem e da formulação de discursos baseados na abstracção e na conceptualização, perante os desafios desmesurados da existência humana. O riso e o choro são, portanto, sintomas de desorientação, de paralisação, de incapacidade de estabelecer relações significativas que permitam a continuação do trajecto vital.
Segundo Plessner, o significado destas expressões emotivas só pode ser «compreendido» quando indagamos as relações que o homem mantém consigo mesmo e sobretudo com o seu corpo. As gargalhadas ou o choro copioso produzem uma verdadeira fractura no equilíbrio psico-físico do homem. Este perde o controle sobre si mesmo e mostra-se incapaz de se expressar da maneira habitual, porque é obrigado a fazer frente a situações e a emoções que o lançam para fora de si e que o forçam a superar os limites da normalidade quotidiana. Como escreve Plessner: «O riso responde à paralisação do comportamento com a desequilibrada equivocidade dos pontos de contacto, e o choro, à paralisação do comportamento com a negação da relatividade da existência». Isto significa que o homem, nestas situações, se retira ante as situações insólitas e delega no corpo (Körper) a responsabilidade de lhes responder com expressões descontroladas. Plessner distingue o riso (Lachen) do sorriso (Lächeln): No sorriso, «o homem mantém a distância em relação a si mesmo e ao mundo e faz questão de a mostrar jogando com ela. No riso e no choro, o homem é a vítima da sua altura excêntrica, no sorriso dá-lhe expressão».
Para evitar analisar os conceitos fundamentais da sua antropologia, diremos, a título de resumo, que o riso e o choro são situações críticas que fracturam a unidade da pessoa e, consequentemente, dão origem a comportamentos fragmentados, portanto, de ruptura. Deste modo, o homem perde o controle do seu corpo, os processos corporais emancipam-se e produzem-se reacções imprevisíveis, que quebram a sua postura habitual. O resultado desta quebra do equilíbrio entre o físico e o psíquico, entre o corpo e a mente, é precisamente a perda do autocontrole. Na explosão súbita do riso, interrompe-se a relação entre o eu e o seu corpo, ficando o corpo completamente livre do controle do eu. No abandono ao choro, é o próprio homem que renuncia à relação com o corpo, que passivamente se deixa arrastar pela emotividade. Para finalizar, diremos ainda que no riso e no choro revela-se, de modo evidente, a natureza dual do ser humano, que se apresenta no equilíbrio instável de ser um corpo e de ter um corpo. Nesta distinção subtil, a posição excêntrica do homem no reino orgânico revela o anticartesianismo da antropologia de Plessner. (Plessner apresenta uma filosofia do corpo muito superior à de M. Merleau-Ponty.)
Penso ter cumprido a minha missão de apresentar brevemente uma aplicação concreta da antropologia filosófica de Plessner, uma das maiores antropologias do século XX, desconhecida em Portugal, e, ao mesmo tempo, ter acusado os intelectuais portugueses de serem também responsáveis pela pobreza material e espiritual do povo português. No fundo, eles atrofiam o espírito nacional para salvaguardar a sua vidinha metabolicamente reduzida, de modo a não serem ameaçados pelo advento do espírito entre as almas populares. Cabe à política cultural socialista do actual governo socialista de José Sócrates mudar este estado de dominação e de exploração ideológica do povo e tornar a cultura superior acessível a todos os portugueses.
J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Documentos Blogosféricos

O autor do blogue «Navegador Solitário» esta a fazer uma série de blog-reportagens muito interessantes, com a participação de bloguistas de toda a comunidade de língua portuguesa. Como nessas entrevistas, os bloguistas expõem a sua perspectiva emic sobre a blogosfera, achei necessário fazer uma ligação e possibilitar a sua leitura aqui neste blogue dedicado à «CyberFilosofia». Assim, estas entrevistas podem ser vistas como documentos blogosféricos, susceptíveis de serem trabalhados teoricamente.
1º Documento: EM CONVERSA COM O AUTOR DO DIÁRIO DE UM SOCIÓLOGO.
2º Documento: EM CONVERSA COM O AUTOR DO BLOG ALTO HAMA.
3º Documento: EM CONVERSA COM O AUTOR DO BLOG MASCHAMBA.
4º Documento: EM CONVERSA COM O AUTOR DO BLOGUE JUVENTUDE REBELDE.

O primeiro documento foi objecto de alguns comentários, dos quais destaco uma breve observação minha, Bloguismo Cerebral, e outra da Helena, «Tipos de Blogs!» (Veja o blogue «Socióloga Avense»).
Agradeço ao Agry, o autor do blogue «Navegador Solitário», ter tido esta brilhante ideia que nos permite recolher dados, de modo a podermos elaborar uma teoria empírica da blogosfera cyberportuguesa. (Logo que saiam novas entrevistas, refiro-as aqui nesta lista.)
J Francisco Saraiva de Sousa

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Filosofia de Ernst Bloch

«Nenhum socialismo sem democracia, nenhuma democracia sem socialismo». (Rosa Luxemburgo)
É difícil dizer algumas palavras sobre o pensamento daquele que foi um dos maiores filósofos do século XX: Ernst Bloch (1885-1977). E, como seria de esperar num país pouco dado ao pensamento, mas muito dado à hipocrisia e à corrupção, não existe nenhuma obra de Bloch traduzida em língua portuguesa (Portugal).
A esquerda portuguesa nunca reclamou a herança de Bloch: os comunistas, porque Bloch critica severamente o «desvio estalinista», e os socialistas, porque Bloch critica o «desvio social-democrata». A filosofia de Bloch não se reconhece em nenhuma destas duas interpretações do pensamento de Karl Marx, propondo um novo marxismo, num diálogo profundo com o pensamento de Rosa Luxemburgo e com as promessas religiosas.
Os jovens portugueses não sabem que o pensamento de Esquerda, seja comunista seja socialista ou social-democrata, deriva da filosofia de Karl Marx. Aliando-se à «corrente quente» de Rosa Luxemburgo, Bloch propõe uma nova leitura de Marx que, sem abandonar a crítica da economia política, portanto, o Marx da maturidade, dinamiza a utopia, não a «utopia abstracta», pensada como um esboço ou um modelo de um Estado idealizado de justiça e de igualdade, mas a «utopia concreta», de modo a corrigir e a ultrapassar os conceitos de um materialismo vulgarizado. Isto significa que Bloch reactualiza o socialismo utópico e os conceitos éticos de um pensamento voltado para o futuro e enraizado numa ontologia do «ainda-não-ser». As categorias centrais deste «novo espírito utópico» são a «possibilidade» e a «esperança».
No pensamento de Bloch, a verdade vem sempre acompanhada de um sentido de emancipação, apresentando-se como uma espécie de alavanca para uma prática transformadora. Esta prática humanista pode concretizar-se no processo real da história humana, porque nela está latente uma tendência proto-utópica que ainda não conseguiu realizar-se. Este «ainda-não» constitui a categorial fundamental da filosofia blochiana da praxis, a qual se estrutura basicamente na determinação do ser e do ente através da «antecipação do futuro» no ser do presente, ou seja, na co-determinação do ser presente pelo horizonte do futuro. Contudo, a realização e a exteriorização dessas potências não é o resultado de um imanentismo automático, mas depende da actividade prática dos sujeitos. Estes devem apoderar-se dessas possibilidades de transformação e utilizá-las no sentido de uma prática transformadora verdadeiramente humana.
Bloch distancia-se claramente da «interpretação científica» do socialismo de Engels, reintroduzindo o conceito de «dignidade humana», presente na filosofia do «direito natural», e exorcizando o conceito demasiado «positivo» de ciência. A conservação do sentido revolucionário do direito natural permite-lhe fundamentar os direitos do indivíduo, do cidadão e da democracia pluralista, sem os quais não pode haver socialismo autêntico. Isto significa que, segundo Bloch, o socialismo exige «a prática real dos direitos do cidadão» e a garantia das liberdades individuais. Bloch retoma a crítica de Rosa Luxemburgo contra Lenine, para afirmar que estas conquistas históricas da burguesia devem estar inscritas no projecto e no programa de um governo socialista. (Quer tenham ou não lido as obras de Bloch, os socialistas portugueses defendem claramente a dignidade do homem, a qual é incompatível com a pobreza e a corrupção vigentes em Portugal. Por isso, os socialistas devem sonhar-para-a-frente e transformar radicalmente a sociedade portuguesa, de modo a garantir o funcionamento de uma democracia real, pluralista e participativa.)
Bloch faz uma distinção entre uma «corrente fria» e uma «corrente quente» no marxismo e, sem a aplicar à própria teoria de Marx, defende claramente a «corrente quente» de Rosa Luxemburgo, embora de um modo peculiar. Porquê? Porque, para Bloch, a análise político-económica de Marx está intimamente ligada a uma filosofia escatológica da história, isto é, a uma interpretação messiânica secularizada da história, oposta às teorias social-democratas do gradualismo e do progresso científico enquanto libertador da humanidade. (Esperemos que o PM, José Sócrates possa vir a ser iluminado pelos «sonhos diurnos» inscritos no seio de uma «matéria» prenhe de «futuro autêntico».) Isto significa que a «corrente fria» do marxismo enquanto condição de possibilidade da sociedade capitalista e da modernidade perde a sua eficácia como instrumento crítico de uma filosofia da praxis que visa a transformação radical do mundo, a menos que seja completada, ao nível teórico e prático, pela «corrente quente». Esta exprime as aspirações profundas que visam a democracia, a justiça social e a fraternidade entre os homens, bem como a crítica da ideologia que legitima a dominação do homem sobre o homem.
Deste modo, a «corrente quente» possibilita realizar uma síntese produtiva entre a ética socialista e a prática renovadora, entre a imaginação social e a conquista do poder, entre a teoria e a prática de emancipação. Bloch abandona claramente o conceito de «ditadura do proletariado», aliás um conceito marginal no pensamento de Marx, e propõe um «socialismo da liberdade», o qual deve ter consciência da sua herança utópica. (Mário Soares sempre defendeu este socialismo da liberdade e, por isso, permanece marxista.)
Por isso, Bloch é levado a definir o marxismo como uma «ciência das tendências», descobrindo nele uma «ciência mediatizada do futuro». Estamos diante de uma «ciência dialéctica da realidade», ou seja, diante de uma análise das variadas possibilidades objectivas (Georg Lukács) de «transformação do mundo conforme a medida humana». Esta nova ciência, ou este «novo marxismo», precisa estar aberta às suas heranças culturais e à percepção inteligente das propriedades da realidade que apontam para o futuro. A ciência dialéctica das tendências é, no fundo, a «nova ciência do futuro», visto ser «a consciência progressiva do todo (totum) progredindo», do todo que ainda é factum, mas que se desenvolve no conjunto do devir, juntamente com o que «ainda-não-se-tornou».
Assim, ligando o projecto marxista do «tornar-se-mundo» da filosofia e do «tornar-se-filosofia» do mundo com a categoria de possibilidade no horizonte do ente, Ernst Bloch integra a teoria marxista no horizonte mais amplo de uma ontologia do ainda-não-ser, fundada na hipótese da exteriorização possível da imanência utópica no ente e de um destino utópico final de um mundo inacabado, mas preparado para um aperfeiçoamento constante, graças à categoria de «possibilidade».
A filosofia de Bloch completa e ultrapassa o projecto de Marx, mas, tal como o jovem Marx, afirma que o último eschaton desta filosofia da praxis deve ser a realização da «consubstancialidade do homem e da natureza»: o advento de uma sociedade nova que realiza a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo constituído pelo homem, e a humanização constituída da natureza.
Ernst Bloch é, pois, o fundador de um pensamento neomarxista da «utopia concreta», de uma ontologia do «ainda-não-ser» e de uma «fenomenologia da consciência antecipadora». Num mundo cada vez mais carente de imaginação política, torna-se necessário reler as obras de Ernst Bloch, estimular o «optimismo militante», dando condições aos cidadãos para participarem activamente na esfera pública, e lutar contra o eclipse da democracia. A filosofia deve esquecer Heidegger e repensar a «docta spes» de Bloch: repensar o inventário das imagens do desejo, dos sonhos e das figuras de antecipação utópica, tais como emergiram na história da filosofia, da literatura, da arquitectura e da música, nas utopias dos contos de fadas e nas utopias arquitectónicas modernas. Ora, tudo isto constitui o miolo da obra fundamental de Bloch, «O Princípio Esperança».
Ernst Bloch coloca a utopia no cerne da existência humana, cabendo à acção subjectiva interpretar e realizar as possibilidades utópicas «ainda-não-realizadas» do passado e remodelar as necessidades reprimidas da humanidade quando surgem no conjunto complexo dos produtos culturais através dos quais a história é entendida.
De facto, como deixámos bem claro, a ideia que preocupou Bloch é «o sonho de uma vida melhor». Mas não explicitámos o conceito blochiano de sonho que merece especial atenção, quer na sua estética, quer na sua ontologia do «ainda-não-existente» (noch-nicht-Seiende).
Neste âmbito, o conceito torna-se de difícil compreensão, mas, como pretendemos torná-lo acessível ao entendimento do comum dos mortais, diremos que «o sonho que olha para a frente» (der Traum nach Vorwärts), encarando o «modo como as coisas são», não é definido na filosofia de Bloch por uma regressão a fantasias infantis. Ao contrário de Freud, Bloch recusa concentrar-se no «sonho nocturno», cuja verdade emerge em lembranças do passado primordial ontogenético e filogenético ou no «não-mais-consciente». Bloch destaca preferencialmente o papel do «devaneio» («sonho diurno», sonhar acordado), com a sua projecção do «novo», o «ainda-não-consciente», e a sua vaga ligação com a situação em que se encontra o indivíduo. A esperança aparece no «devaneio» e a felicidade é vista «como a forma das coisas por vir». O devaneio, o sonhar acordado, é capaz de superar as censuras do superego e, deste modo, conservar um núcleo utópico.
Esta ênfase na «consciência antecipadora», no «devaneio» e no «ainda-não-consciente», mostra claramente que o conceito de possibilidade não resulta somente da análise de determinadas condições de existência, mas constitui uma propriedade da «consciência pura». Bloch distancia-se, neste aspecto, de Heidegger e de Jean-Paul Sartre, bem como dos seus seguidores. Em Heidegger, a categoria central da experiência «autêntica» é, na sua analítica da morte, a angústia. Mas, uma vez encontrada a possibilidade, a esperança é um modo de experiência tão legítimo quanto a angústia. Face a uma «possibilidade concreta», existe a esperança de que seja realizada e a angústia de que não seja realizada. E, como a morte é inevitável, Bloch conclui: A possibilidade real «não reside em qualquer ontologia acabada do ser daquilo que já é existente, mas sim na ontologia do ainda-não-existente, que é continuamente fundamentado cada vez que descobre o futuro no passado e em toda a natureza». Na sua obra sobre Hegel (Sujeito-Objecto: O Pensamento de Hegel), Bloch acentua constantemente que a sua ontologia não está acabada, mas aberta ao futuro: «o marxismo não está fechado», isto é, concluído.
Convém lembrar que Gaston Bachelard tratou da «poética do devaneio» e seria interessante confrontar a sua fenomenologia da imaginação poética com a fenomenologia da consciência antecipadora de Ernst Bloch: Que diferença!
J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 18 de novembro de 2007

Blogosfera e Democracia Electrónica

As mentes apáticas e conformistas tendem a reduzir a democracia electrónica ao voto electrónico e a outros procedimentos técnicos, como se a democracia electrónica fosse um conjunto de processos tecnológicos usados ao serviço da democracia representativa tal como a conhecemos. Uma tal concepção de democracia electrónica é extremamente redutora, muito pouco política e revela a satisfação dessas mentes com a sociedade estabelecida: as mentes que a defendem são, portanto, metabolicamente reduzidas, isto é, mentes mais interessadas em defender os seus interesses privados do que em melhorar a democracia representativa.
A democracia electrónica pode ser vista como uma longa e extensa conversa online sobre o mundo, na qual todos os cidadãos podem participar livre e racionalmente, sem coacções. Usar as funcionalidades da Internet como esferas públicas ou fóruns de debates públicos é fazer um uso libertador e responsável das novas tecnologias, em face do qual os outros usos denunciam a ideologia que os move: a apologia da ordem estabelecida. Nesta perspectiva, a democracia electrónica possibilita a participação política de todos aqueles cidadãos que, de outro modo, o predominante, não têm direito à palavra, a não ser em dias de eleições. A democracia electrónica reanima o espírito da democracia ateniense num novo espaço público virtual: a rede. Como forma de democracia participativa, a democracia electrónica pode potencialmente reanimar a política, a formação da consciência política, o exercício de uma cidadania responsável e empenhada no debate crítico dos assuntos públicos e, deste modo, contribuir para melhorar a qualidade da democracia representativa.
Os teóricos da democracia electrónica nunca a apresentaram como uma forma de democracia directa e, portanto, como alternativa política credível à democracia representativa. Esta ideia absurda é uma mentira inventada por aqueles que temem, e com razão, que a participação dos cidadãos lhes roube visibilidade. De facto, esta pode ser uma tarefa da democracia electrónica: criticar severamente aqueles que usam e abusam do poder para benefício próprio e que, por isso, fazem tudo para reduzir os cidadãos à condição de «metecos», isto é, de excluídos políticos. Contudo, embora a tecnologia ofereça essa possibilidade de alargar virtualmente a esfera pública, devemos ajudar todos aqueles que desejam sinceramente participar e contribuir para a politização da sua consciência: dotá-los de espírito crítico, de resto um bem muito escasso.
Todos os meus textos publicados no blogue «CyberCultura e Democracia Online» revelam claramente que sou um adepto prudente da democracia electrónica: acredito que as comunidades virtuais podem ajudar os cidadãos a revitalizar a democracia, mediante a participação responsável na esfera pública alargada a todos e liberta da comunicação manipuladora.
No entanto, sou herdeiro de uma constelação teórica que tem sido e ainda continua a ser muito crítica em relação aos efeitos da comunicação mediada por computador, mas sobretudo em relação aos media electrónicos: refiro-me evidentemente à teoria crítica e à Escola de Frankfurt. Por isso, e dado que não negligencio os seus receios legítimos, pretendo estudar melhor estes três grupos de cépticos e analisar os seus argumentos, de modo a clarificar o próprio conceito de democracia electrónica.
Acredito no potencial democratizador das telecomunicações e dos computadores e, escutando as vozes que se fazem ouvir num vasto conjunto de blogues, defendo a ideia básica de que a comunicação mediada por computador leva aos cidadãos responsáveis alguns poderes dos mass media, detidos pelos mandarins da política e da economia, reabilitando democraticamente a esfera pública. A comunicação mediada por computador é potencialmente uma tecnologia democratizante e, por isso, estou empenhado na luta contra todas as tentativas de feudalizá-la ou colonizá-la abusivamente, contra os interesses reais dos cidadãos, que o jornalismo manipulatório tenta converter em leitores-consumidores.
As criticas sociais às novas tecnologias podem ser agrupadas em três frentes teóricas, intimamente relacionadas umas com as outras ou, pelo menos, complementares:
(1) a teoria da indústria cultural e a sua reformulação por Habermas,
(2) a teoria panóptica do poder de Michel Foucault, de resto inspirada em Jeremy Bentham e seu projecto prisional,
(3) e a teoria hiper-realista nas suas diversas versões, a de Guy Debord ou a de Jean Braudillard.
Estas críticas são pertinentes e merecem ser escutadas e pensadas. Como já as meditei, ao longo de inúmeras aulas e seminários de «teorias da comunicação social», posso dizer que a comunicação mediada por computador pode ser o veículo privilegiado para a realização dos «ideais» que norteiam a crítica da sociedade. Mas, como num mundo global, nada está estabelecido definitivamente, é necessário reflectir nas ameaças sugeridas pelos restantes cépticos e estar preparado para fazer face a elas sempre que surjam no horizonte. Apesar disso, o meu optimismo tem sido reforçado pelo conhecimento de bloguistas extremamente competentes e inteligentes, alguns dos quais estão desempregados, talvez devido à mediocridade instalada no poder que bloqueia sistematicamente o desabrochar de novas capacidades.

J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Filosofia da Técnica

A «Meditación de la Técnica» de José Ortega y Gasset é ligeiramente mais profunda que as «meditações da técnica» de Heidegger, embora possam ser confrontadas e articuladas, de modo a clarificar a «essência» da técnica.
Embora não mencione os outros filósofos que se debruçaram sobre a técnica, em particular Karl Marx (Kostas Axelos), Ortega y Gasset parece conhecê-los bem, porquanto sabe demarcar e distinguir as suas teses das teses defendidas por outros, sempre a partir da sua perspectiva «vitalista», a qual cai sob a alçada da crítica pertinente e actual que Hannah Arendt faz da noção de vida como «valor supremo».
«Qué es la técnica?». A esta questão, Ortega y Gasset responde deste modo:
«El conjunto de (actos técnicos) es la técnica, que podemos, desde luego, definir como la reforma que el hombre impone a la naturaleza en vista de la satisgacción de sus necesidades. Estas, hemos visto, eran imposiciones de la naturaleza al hombre. El hombre responde imponiendo a su vez un cambio a la naturaleza. Es, pues, la técnica, la reacción enérgica contra la naturaleza o circunstancia que lleva a crear entre estas y el hombre una nueva naturaleza puesta sobre aquella, una sobrenaturaleza. Conste, pues: la técnica no es lo que el hombre hace para satisfacer sus necesidades. Esta expresión es equívoca y valdría también para el repertorio biológico de los actos animales. La técnica es la reforma de la naturaleza, de esa naturaleza que nos hace necesitados y menesterosos, reforma en sentido tal que las necesidades queden a ser posible anuladas por dejar de ser problema su satisfacción. Si siempre que sentimos frío la naturaleza automáticamente pusiese a nuestra vera fuego, es evidente que no sentiríamos la necesidad de calentarnos, como normalmente no sentimos la necesidad de respirar, sino que simplemente respiramos sin sernos ello problema alguno. Pues eso hace la técnica, precisamente eso: ponernos el calor junto a la sensación de frío y anular prácticamente esta en cuanto necesidad, menesterosidad, negación, problema y angustia».
Ortega y Gasset tem consciência do carácter «tosco» desta primeira «aproximación a la pregunta: Qué es la técnica?», mas é esta aproximação que pretendemos impugnar e debater.
Os aspectos relevantes desta aproximação teórica são os seguintes:
1. A técnica é «a reforma que o homem impõe à natureza, tendo em vista a satisfacção das suas necessidades». Esta reforma da natureza cria uma nova natureza, denominada «sobrenatureza» ou tecnosfera.
2. A natureza fez-nos «necessitados e laboriosos» e, por isso, impõe-nos a tarefa de a transformar, de modo a suprir as nossas necessidades ou carências. A teoria da técnica de Ortega y Gasset assenta numa teoria das necessidades, que Bronislaw Malinowski integrou na sua teoria funcional da cultura. De facto, a teoria da técnica de Ortega y Gasset é fortemente marcada pelo funcionalismo que articula com uma versão forte do «vitalismo»: todas as necessidades derivam do próprio viver. «No es, pues, el alimentarse necesario por sí, es necesario para viver. (...) Este viver es, pues, la necesidad originaria (resultante de um acto de vontade) de que todas las demás son meras consecuencias». Reduzida a natureza àquilo que nos rodeia, à «circunstancia», Ortega y Gasset define a vida humana por oposição à vida animal, como não coincidindo completamente com o perfil das suas necessidades orgânicas, rejeitando qualquer abordagem que recorra ao «instinto» ou à própria natureza, como se fossemos extraterrestres na Terra.
3. A técnica é vista como uma reforma «contra la naturaleza», o que torna difícil a defesa de uma política do ambiente ou de uma ética do ambiente.
Alinhavada a nossa crítica, torna-se evidente que esta concepção da técnica de Ortega y Gasset não é capaz de pensar as novas tecnologias da comunicação e da informação, a biotecnologia e a engenharia genética. Uma concepção funcional da técnica ou uma concepção da técnica como dominação da natureza são insuficientes.
J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 11 de novembro de 2007

Os Fantasmas de Karl Popper

O pensamento político de Karl Popper teve um enorme impacto não nos Estados Unidos da América, onde o liberalismo está solidamente enraizado nos espíritos, mas na Europa Ocidental, onde se tornou o breviário da Direita Tradicional e dos intelectuais anticomunistas.
A sua obra mais conhecida no âmbito da filosofia política é «A Sociedade Aberta e os seus Inimigos» (1945). Escrita no seu refúgio na Nova Zelândia, entre 1938 e 1945, esta obra retoma a distinção introduzida por Henri Bergson («As Duas Fontes da Moral e da Religião») entre «moral fechada», fundada na obrigação, e «moral aberta», ligada às aspirações ideais do indivíduo, aplicando-a às sociedades. Popper designa por «sociedades fechadas as que se caracterizam pela sua organização tribal, colectivista ou pelo componente mágico» e por «sociedades abertas todas aquelas em que o indivíduo se confronta com decisões pessoais». «A nossa civilização ocidental teve a sua origem nos Gregos, considerados os primeiros agentes de transição entre o regime tribal e o humanitarismo».
Contudo, apesar desse triunfo da sociedade aberta sobre a sociedade fechada que marca o início da nossa civilização ocidental, alguns dos nossos intelectuais, que Popper agrupa sob a designação geral de historicismo, o núcleo de todo o pensamento dialéctico, manifestam a vontade de regressar a uma sociedade fechada, portanto tribal, mostrando desprezo por qualquer exigência de liberdade individual. A obra de Popper tenta estabelecer a existência empírica desta ligação entre historicismo e totalitarismo no seio de algumas grandes filosofias, em particular nas de Heráclito, Platão, Aristóteles, Hegel e Marx, isto é, todos os pensadores dialécticos.
Em 1978, num prefácio para a edição francesa da obra, Popper afirma ter tomado a decisão de escrevê-la para defender a liberdade no dia em que Hitler invadiu a Áustria. A sua publicação ocorreu no mesmo ano do fim da Segunda Guerra Mundial. Contudo, os três inimigos da sociedade aberta, o fascismo, o nazismo e o comunismo, não são tratados do mesmo modo equilibrado e igual. O Nazismo é reduzido a uma mera variante do fascismo e, por isso, a sua especificidade tão bem captada por Hannah Arendt, por Horkheimer e Adorno e, mais recentemente, por Zygmunt Bauman, não é reconhecida. Pior que isso é o facto de Popper não expor as doutrinas modernas do fascismo. A segunda metade da obra é dedicada inteiramente à crítica de Marx, onde o marxismo, além de não ser diferenciado do estalinismo, o que não sucede na obra de Arendt sobre o totalitarismo, é explicitamente comparado com o fascismo, o que parece sugerir que Marx é mais perigoso do que Hitler. Este tratamento sugere que a distinção entre Direita e Esquerda não tem mais qualquer significado político, ideia que Raymond Aron soube explorar na sua obra «O Ópio dos Intelectuais».
Daqui resulta necessariamente que a teoria política de Popper funda-se na ideia maniqueísta de que só existem dois tipos de regimes: «os bons», os regimes democráticos, e «os maus», os regimes totalitários, ditaduras ou tiranias. Popper que sempre exprimiu uma obsessão pelos critérios de demarcação, nomeadamente no âmbito da epistemologia, onde usa a refutabilidade para demarcar a ciência da metafísica, usa aqui, na esfera política, um critério demasiado geral e, portanto, vago: Os regimes totalitários são aqueles dos quais «não é possível livrar-se sem derramamento de sangue», os regimes democráticos são aqueles em que os cidadãos utilizam as eleições para mudar pacificamente os governantes. Ao reduzir aqui a democracia a um procedimento formal, Popper esquece que o fascismo é perfeitamente compatível com a democracia formal, como comprovam o Maccarthismo nos USA ou as democracias latino-americanas, e que o nazismo se instalou na Alemanha pela via das eleições democráticas, procurando mostrar respeito pela legalidade, pelo menos no início.
Estes equívocos e erros de análise mostram bem que Karl Popper não aplicou correctamente os «métodos racionais e críticos da ciência aos problemas da sociedade aberta», de modo a «contribuir para a nossa compreensão do totalitarismo e do significado da luta perene para o combater», como promete fazer na «Introdução» da sua obra. Afinal, o grande inimigo de Popper, não da sociedade aberta, é Karl Marx e a sua concepção da história, que, de resto, escapa ao entendimento demasiado ressentido e emocional de Popper.
Convém aqui lembrar que Popper, antes de ser defensor do liberalismo político, foi comunista e só o deixou de ser, quando em Julho de 1919, durante uma manifestação de esquerda em que participou, a polícia austríaca matou seis dos seus colegas. A partir desse momento, Popper abandonou a ideia de revolução, por implicar violência, e, sob a influência de Russell, abraça o pacifismo, tornando-se antimarxista para o resto da vida. É este antimarxismo que ele expõe na sua «A Sociedade Aberta e os seus Inimigos», perseguindo todo o pensamento dialéctico de Heráclito a Marx. De modo geral, o tratamento a que Popper submete as figuras emblemáticas desse pensamento que associa ao totalitarismo é superficial e, muitas vezes, erróneo.
Heráclito é completamente desfigurado, Platão é esquematizado abusivamente, Aristóteles é despachado pela sua «mediocridade de espírito», e Hegel é logo de início desqualificado e acusado de escrever livros ininteligíveis, usando «fórmulas retumbantes e palavreado pretensioso», crítica que, mais tarde, será alargada a Martin Heidegger, Theodor Adorno, Ernst Bloch ou Hans-Georg Gadamer. Apenas Marx é um pouco poupado, já que o inclui «entre os libertadores da humanidade», cujo capítulo X do Livro Primeiro de «O Capital», dedicado à jornada de trabalho do proletariado, constitui «um documento imperecível sobre o sofrimento humano» no inferno dantesco do capitalismo nascente. Popper reconhece a legitimidade do protesto marxista contra as injustiças sociais e, por isso, afirma que «o marxismo moral deve sobreviver», até mesmo ao ataque a que o submete, primeiro na «Miséria do Historicismo» (1935) e depois nesta obra que estamos a analisar.
Como já demolimos a crítica popperiana do suposto historicismo oracular ou profético de Marx noutro post, a saber
Filosofia, Sofrimento e Esperança , apenas diremos que, segundo Popper, Marx não fundou uma «ciência da História», porque, segundo a sua «opinião pessoal», a história não tem sentido e, por conseguinte, como não obedece a nenhuma lei específica, não pode tornar-se objecto de ciência. Como confundiu predição científica e profecia, Marx tornou-se um falso profeta. As suas profecias se fossem realizadas resultariam numa regressão a uma forma de neotribalismo. Contra este suposto obscurantismo, Popper defende a atitude racional: a que reconhece a democracia liberal como «o melhor regime possível», o qual pode ser melhorado gradualmente através de uma «engenharia social parcelar», por oposição à «engenharia social utópica» proposta pelo marxismo.
Contudo, este elogio do racionalismo com que termina a obra assenta numa decisão que, como demonstrou Habermas, não pode ser fundamentada racionalmente. Embora o seu racionalismo e liberalismo tenham conhecido algumas modificações ao longo da sua vida, Popper permanece fiel no essencial a esses princípios e, no final da sua vida, suaviza o seu liberalismo ilimitado, atribuindo ao Estado liberal a missão de fazer respeitar os direitos dos cidadãos e protegê-los contra toda a forma de violência, sobretudo aquela que é exercida insidiosamente pelos meios de comunicação social sobre os espíritos, no que tem absoluta razão.
J Francisco Saraiva de Sousa

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

CiberFilosofia e Imaginação Política

A filosofia portuguesa é muito pouco produtiva e visível, talvez porque os seus protagonistas desconheçam a História da Filosofia Ocidental e, por isso, deixam-se intimidar facilmente pelo discurso arrogante das ciências em geral e das ciências sociais em particular. Em vez de defender o seu território contra os invasores bárbaros e pouco inteligentes, os filósofos nacionais dedicam-se a problemas menores, tais como o de saber se existe ou não um pensamento filosófico genuinamente português, e até mesmo esta tarefa é executada sem competência, coragem e criatividade.
É claro que todos sabemos que o ensino da filosofia está mal de saúde em Portugal: a incompetência fechou-se num círculo vicioso. Às Faculdades chegam alunos completamente ignorantes e à Filosofia, aqueles que não têm vocação para nada. Apesar disso, tiram o curso e tendem a ingressar no ensino secundário, onde ensinam filosofia. Mas todos os professores de filosofia tendem a ser profundamente ignorantes, maliciosos e incompetentes: simplesmente não sabem filosofia e, por isso, contribuem para reforçar a má imagem que os portugueses, sobretudo os políticos e os homens das grandes decisões, têm da filosofia nacional.
Contra essa prática nacional da filosofia, pretendo opor uma concepção mais enfática da Filosofia, aquela que Kant defendeu: a Filosofia como a Ciência das ciências, cujo território é a totalidade da realidade. Ora, uma tal concepção da Filosofia não se deixa intimidar pelas práticas medíocres das ciências e não abandona o seu território, sobretudo o território da Política e do Direito. Apesar de ensinarem Platão no ensino secundário, os professores de filosofia nunca compreenderam verdadeiramente o sentido político da «Alegoria da Caverna». Relembrando que Platão e Aristóteles são o momento inicial da tradição filosófica ocidental, como afirmava Hegel, Hannah Arendt defende ao longo de toda a sua obra «a necessidade de uma nova filosofia política». Na obra «The Promise of Politics» (2005), Arendt escreve:
«O colapso do senso comum no mundo presente assinala que a filosofia e a política, apesar do antigo conflito que as opunha (e que começou com o processo e a condenação de Sócrates), sofreram a mesma sorte. E isso significa que o problema da filosofia e da política, ou a necessidade de uma nova filosofia política a partir da qual poderia nascer uma nova ciência da política, está uma vez mais na ordem do dia».
Na obra «The Proper Study of Mankind», Isaiah Berlin (1949), lembrando que «os nossos filósofos parecem estranhamente alheios» à política, defende a necessidade da filosofia não abdicar da política:
«A política tem continuado indissoluvelmente entrelaçada com todas as demais formas de pesquisa filosófica. Negligenciar o campo do pensamento político, porque a sua matéria é instável, de contornos indefinidos, e não pode ser apreendido pelos conceitos rígidos, pelos modelos abstractos e pelos instrumentos delicados e subtis próprios da lógica ou da análise linguística --- exigir um método uniforme na filosofia e rejeitar tudo o que esse método não consiga gerir com êxito --- é permitir muito simplesmente que se fique à mercê de crenças políticas primitivas e inquestionadas».
Ao contrário do que Berlin afirma a seguir, os filósofos formados na escola hegeliano-marxista foram os únicos que nunca menosprezaram a esfera política, até porque sempre assumiram a tarefa de «transformar o mundo» exigida por Karl Marx. Assim, por exemplo, Louis Althusser chega mesmo a definir a filosofia como «luta de classes na teoria», após ter denunciado o desvio teorético da sua concepção inicial: a filosofia como «prática geral das práticas científicas».
A aliança entre Filosofia e Política é bem visível ao longo da História da Civilização Ocidental e, actualmente, neste mundo global de incerteza e de risco, deve ser reactivada, de modo a zelar pelo futuro da humanidade. Por isso, no meu blogue «CyberCultura e Democracia Online», tenho dedicado muitos textos à Filosofia Política, dos quais destaco os mais teóricos: Socialismo e Políticas do Sentido , John Rawls e a Teoria da Justiça , Declínio dos Homens Políticos , Sonhos Nocturnos e Sonhos Diurnos , O Eclipse da Democracia , Ernst Bloch: A Filosofia da Esperança , Opinião Pública e a Espiral do Silêncio , Stuart Mill: O Liberalismo Político , Degradação dos Partidos Políticos (zero) e, para não alargar mais esta lista, Democracia e Dignidade da Política .
Num mundo global, defendemos a comunicação mediada por computador como o veículo de uma nova forma de democracia: a democracia electrónica. E a concepção da blogosfera como novo espaço público virtual, exposta no post anterior, aponta claramente nesse sentido, ao mesmo tempo que convida os filósofos a participarem mais activamente no aprofundamento da democracia e a unirem-se em torno de uma nova Filosofia Política em construção permanente.
J Francisco Saraiva de Sousa