Introdução à Antropologia BioFilosófica de Plessner Portugal é um país pobre em termos editoriais e isto porque os seus universitários são geralmente pessoas pouco dotadas intelectual e culturalmente, sobretudo no que se refere à Filosofia e às Ciências do Espírito Humano. Contudo, apesar desta ausência maldosa de cultura, o filósofo que vos quero apresentar foi vítima da Segunda Guerra Mundial, que o privou do contacto com os meios académicos alemães. Quando fiz a minha tese de mestrado, ninguém em Portugal, nomeadamente na Universidade, conhecia a antropologia filosófica de Plessner ou mesmo a de Arnold Gehlen. E, como sucede nestas ocasiões, aquele que procura inovar, neste caso eu próprio, é, de algum modo, «penalizado». Os nossos académicos não suportam a novidade e a profundidade científica. Sentem-se ameaçados, provavelmente confrontados com a sua terrível mediocridade, e reagem negativamente, de modo a conservar o seu falso status. Os estudantes inteligentes, verdadeiramente inteligentes, devem ser avisados sobre este traço da personalidade académica nacional; caso contrário, se não souberem «dar palha ao burro» (expressão do meu Professor de NeuroAnatomia), são simplesmente liquidados. A obra de antropologia de Plessner (1892-1985) é muito superior à analítica existencial de Heidegger e, no entanto, este último é muito mais conhecido do que Plessner. Em 1928, Plessner publicou a sua primeira e maior obra de antropologia filosófica, «Die Stufen des Organischen und der Mensch». E, mais tarde, no seu exílio holandês, em 1941, publica «Lachen und Weinen» (O Riso e o Choro), que pode ser vista como uma actualização da sua obra anterior, onde Plessner procura mostrar a superioridade da sua reflexão antropológica sobre a filosofia existencial de Heidegger. Por isso, optámos pela sua apresentação, de resto mais simples de explicar do que o seu clássico de antropologia. Numa das suas últimas obras, «Conditio Humana», Plessner resume a sua concepção do riso e do choro, quando afirma que ambos são reacções perante alguns limites (a noção de Jaspers de situação-limite) contra os quais tropeça a nossa conduta. Isto significa que são manifestações de uma impotência humana que derivam basicamente do carácter elementar da nossa vida e dependem da estrutura do comportamento humano, constituindo os seus limites. De todas as possibilidades miméticas do homem, o riso e o choro são as mais imprescindíveis, porque revelam a sua incapacidade de articular respostas mediante as expressões «normais», aquelas que se exprimem através da linguagem e da formulação de discursos baseados na abstracção e na conceptualização, perante os desafios desmesurados da existência humana. O riso e o choro são, portanto, sintomas de desorientação, de paralisação, de incapacidade de estabelecer relações significativas que permitam a continuação do trajecto vital. Segundo Plessner, o significado destas expressões emotivas só pode ser «compreendido» quando indagamos as relações que o homem mantém consigo mesmo e sobretudo com o seu corpo. As gargalhadas ou o choro copioso produzem uma verdadeira fractura no equilíbrio psico-físico do homem. Este perde o controle sobre si mesmo e mostra-se incapaz de se expressar da maneira habitual, porque é obrigado a fazer frente a situações e a emoções que o lançam para fora de si e que o forçam a superar os limites da normalidade quotidiana. Como escreve Plessner: «O riso responde à paralisação do comportamento com a desequilibrada equivocidade dos pontos de contacto, e o choro, à paralisação do comportamento com a negação da relatividade da existência». Isto significa que o homem, nestas situações, se retira ante as situações insólitas e delega no corpo (Körper) a responsabilidade de lhes responder com expressões descontroladas. Plessner distingue o riso (Lachen) do sorriso (Lächeln): No sorriso, «o homem mantém a distância em relação a si mesmo e ao mundo e faz questão de a mostrar jogando com ela. No riso e no choro, o homem é a vítima da sua altura excêntrica, no sorriso dá-lhe expressão». Para evitar analisar os conceitos fundamentais da sua antropologia, diremos, a título de resumo, que o riso e o choro são situações críticas que fracturam a unidade da pessoa e, consequentemente, dão origem a comportamentos fragmentados, portanto, de ruptura. Deste modo, o homem perde o controle do seu corpo, os processos corporais emancipam-se e produzem-se reacções imprevisíveis, que quebram a sua postura habitual. O resultado desta quebra do equilíbrio entre o físico e o psíquico, entre o corpo e a mente, é precisamente a perda do autocontrole. Na explosão súbita do riso, interrompe-se a relação entre o eu e o seu corpo, ficando o corpo completamente livre do controle do eu. No abandono ao choro, é o próprio homem que renuncia à relação com o corpo, que passivamente se deixa arrastar pela emotividade. Para finalizar, diremos ainda que no riso e no choro revela-se, de modo evidente, a natureza dual do ser humano, que se apresenta no equilíbrio instável de ser um corpo e de ter um corpo. Nesta distinção subtil, a posição excêntrica do homem no reino orgânico revela o anticartesianismo da antropologia de Plessner. (Plessner apresenta uma filosofia do corpo muito superior à de M. Merleau-Ponty.) Penso ter cumprido a minha missão de apresentar brevemente uma aplicação concreta da antropologia filosófica de Plessner, uma das maiores antropologias do século XX, desconhecida em Portugal, e, ao mesmo tempo, ter acusado os intelectuais portugueses de serem também responsáveis pela pobreza material e espiritual do povo português. No fundo, eles atrofiam o espírito nacional para salvaguardar a sua vidinha metabolicamente reduzida, de modo a não serem ameaçados pelo advento do espírito entre as almas populares. Cabe à política cultural socialista do actual governo socialista de José Sócrates mudar este estado de dominação e de exploração ideológica do povo e tornar a cultura superior acessível a todos os portugueses. J Francisco Saraiva de Sousa
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