A filosofia portuguesa é muito pouco produtiva e visível, talvez porque os seus protagonistas desconheçam a História da Filosofia Ocidental e, por isso, deixam-se intimidar facilmente pelo discurso arrogante das ciências em geral e das ciências sociais em particular. Em vez de defender o seu território contra os invasores bárbaros e pouco inteligentes, os filósofos nacionais dedicam-se a problemas menores, tais como o de saber se existe ou não um pensamento filosófico genuinamente português, e até mesmo esta tarefa é executada sem competência, coragem e criatividade. É claro que todos sabemos que o ensino da filosofia está mal de saúde em Portugal: a incompetência fechou-se num círculo vicioso. Às Faculdades chegam alunos completamente ignorantes e à Filosofia, aqueles que não têm vocação para nada. Apesar disso, tiram o curso e tendem a ingressar no ensino secundário, onde ensinam filosofia. Mas todos os professores de filosofia tendem a ser profundamente ignorantes, maliciosos e incompetentes: simplesmente não sabem filosofia e, por isso, contribuem para reforçar a má imagem que os portugueses, sobretudo os políticos e os homens das grandes decisões, têm da filosofia nacional. Contra essa prática nacional da filosofia, pretendo opor uma concepção mais enfática da Filosofia, aquela que Kant defendeu: a Filosofia como a Ciência das ciências, cujo território é a totalidade da realidade. Ora, uma tal concepção da Filosofia não se deixa intimidar pelas práticas medíocres das ciências e não abandona o seu território, sobretudo o território da Política e do Direito. Apesar de ensinarem Platão no ensino secundário, os professores de filosofia nunca compreenderam verdadeiramente o sentido político da «Alegoria da Caverna». Relembrando que Platão e Aristóteles são o momento inicial da tradição filosófica ocidental, como afirmava Hegel, Hannah Arendt defende ao longo de toda a sua obra «a necessidade de uma nova filosofia política». Na obra «The Promise of Politics» (2005), Arendt escreve: «O colapso do senso comum no mundo presente assinala que a filosofia e a política, apesar do antigo conflito que as opunha (e que começou com o processo e a condenação de Sócrates), sofreram a mesma sorte. E isso significa que o problema da filosofia e da política, ou a necessidade de uma nova filosofia política a partir da qual poderia nascer uma nova ciência da política, está uma vez mais na ordem do dia». Na obra «The Proper Study of Mankind», Isaiah Berlin (1949), lembrando que «os nossos filósofos parecem estranhamente alheios» à política, defende a necessidade da filosofia não abdicar da política: «A política tem continuado indissoluvelmente entrelaçada com todas as demais formas de pesquisa filosófica. Negligenciar o campo do pensamento político, porque a sua matéria é instável, de contornos indefinidos, e não pode ser apreendido pelos conceitos rígidos, pelos modelos abstractos e pelos instrumentos delicados e subtis próprios da lógica ou da análise linguística --- exigir um método uniforme na filosofia e rejeitar tudo o que esse método não consiga gerir com êxito --- é permitir muito simplesmente que se fique à mercê de crenças políticas primitivas e inquestionadas». Ao contrário do que Berlin afirma a seguir, os filósofos formados na escola hegeliano-marxista foram os únicos que nunca menosprezaram a esfera política, até porque sempre assumiram a tarefa de «transformar o mundo» exigida por Karl Marx. Assim, por exemplo, Louis Althusser chega mesmo a definir a filosofia como «luta de classes na teoria», após ter denunciado o desvio teorético da sua concepção inicial: a filosofia como «prática geral das práticas científicas». A aliança entre Filosofia e Política é bem visível ao longo da História da Civilização Ocidental e, actualmente, neste mundo global de incerteza e de risco, deve ser reactivada, de modo a zelar pelo futuro da humanidade. Por isso, no meu blogue «CyberCultura e Democracia Online», tenho dedicado muitos textos à Filosofia Política, dos quais destaco os mais teóricos: Socialismo e Políticas do Sentido , John Rawls e a Teoria da Justiça , Declínio dos Homens Políticos , Sonhos Nocturnos e Sonhos Diurnos , O Eclipse da Democracia , Ernst Bloch: A Filosofia da Esperança , Opinião Pública e a Espiral do Silêncio , Stuart Mill: O Liberalismo Político , Degradação dos Partidos Políticos (zero) e, para não alargar mais esta lista, Democracia e Dignidade da Política . Num mundo global, defendemos a comunicação mediada por computador como o veículo de uma nova forma de democracia: a democracia electrónica. E a concepção da blogosfera como novo espaço público virtual, exposta no post anterior, aponta claramente nesse sentido, ao mesmo tempo que convida os filósofos a participarem mais activamente no aprofundamento da democracia e a unirem-se em torno de uma nova Filosofia Política em construção permanente. J Francisco Saraiva de Sousa
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