domingo, 29 de julho de 2007

CyberMedicina

A medicina é uma área bem representada na Internet e, devido à globalização e ao relativismo universal da opinião, sofre severa e preocupante concorrência das chamadas medicinas alternativas.
Em Portugal, a antropologia médica nunca fez seriamente parte do currículo académico dos cursos de medicina e, quando está presente, constitui uma disciplina frouxa, leccionada com muita verborreia pseudo-filosófica ou pseudo-humanista. A antropologia que deveria constituir o eixo de abertura da medicina convencional à sociedade abre-se levianamente às etnomedicinas e deixa-se envolver na demolição do chamada modelo médico, tão maltratado pelos feminismos em voga.
Para evitar esta polémica demolidora do espírito da ciência na medicina, desgastada pelas críticas de Thomas S. Szasz, Ivan Illich, David Cooper, R. D. Laing, Géza Róheim e G. Devereux, de resto cérebros brilhantes que merecem a nossa atenção, prefiro avançar com o conceito de cybermedicina que não deve ser confundido com o de telemedicina, embora o possa compreender como área de estudo, e articulá-lo com a filosofia da medicina, uma disciplina ausente dos currículos nacionais, apesar de muitos médicos portugueses terem sido humanistas e excelentes intelectuais, dos quais destacamos evidentemente Jaime Cortesão e Abel Salazar.
Uma abordagem à cybermedicina seria estudar como é que os utentes dos sites médicos se relacionam com a medicina convencional e que tipo de informação procuram mais. Embora nunca tenhamos estudado este assunto, a nossa experiência em pesquisa interactiva parece revelar que muitos desses utentes, sobretudo os da nossa amostra, procuram informação que lhes permita auto-medicar-se e auto-examinar-se, sem recorrer à ajuda médica institucional. De facto, até mesmo no domínio da saúde, a Internet propicia os cuidados de si, em detrimento dos cuidados prestados por outros oficialmente creditados para exercer legalmente os cuidados médicos e de saúde. Os cibernautas mais inteligentes querem cuidar da sua própria saúde, sinal de conquista de autonomia. Neste aspecto, algumas críticas elaboradas por Ivan Illich são pertinentes, porquanto visam autonomizar o «doente» do sistema de saúde e dos seus interesses corporativos, permitindo-lhe cuidar de si.
Daqui resulta ser necessário repensar o modelo médico, de modo a dar lugar, nos cuidados de saúde, aos cuidados de si. O médico deve estar aberto às preocupações manifestadas pelos doentes e, quanto for necessário, ajudá-los nessa tarefa básica que é o cuidar de si. Nesta esfera pessoal ninguém deve ter autoridade e não há moral que possa justificar a intromissão alheia na esfera íntima da pessoa humana, nem Deus que supostamente criou este mundo imperfeito.
A bioética tem aqui uma palavra a dizer: respeitar o outro na sua alteridade radical. Outra palavra diferente desta é pura ideologia que visa legitimar as assimetrias de poder existentes e afastar as pessoas dos seus próprios cuidados de saúde, em nome de um «deus» manipulado por homens metabolicamente reduzidos, portanto sub-humanos.
J Francisco Saraiva de Sousa

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