As forças políticas de Direita estão sempre já dotadas de uma política espontânea do sentido, aquela que é protagonizada pelas Igrejas, enquanto as forças políticas de Esquerda tendem a negligenciar terrivelmente o «cálculo do sentido», talvez porque tenham sido muito marcadas pela falsa noção de «colectivismo» que, para todos os efeitos, não é de Marx. Porém, num mundo sem metafísica, torna-se necessário elaborar uma política do sentido no âmbito do Estado Laico e da sociedade democrática e pluralista, sem violar os princípios da liberdade e da justiça. Nessa política do sentido, a Esquerda poderá descobrir tudo aquilo que a distingue da Direita. A Esquerda encarna sempre o princípio da mudança qualitativa, enquanto a Direita se limita a defender o princípio de conservação da ordem de sentido instituída, mesmo que desfasada das novas realidades sociais e culturais do mundo global. A reflexão de Peter L. Berger, levada a cabo na sua obra «Pyramids of Sacrifice: Political Ethics and Social Change», bem como as obras de Alfred Schutz, H. Kellner, Thomas Luckmann, M. Heidegger, Charles Taylor ou Arnold Gehlen, parte deste pressuposto: «Os seres humanos têm direito a viver num mundo que tenha sentido para eles. O respeito deste direito é um imperativo moral para toda a política», seja ela de Direita ou de Esquerda. Este pressuposto fenomenológico baseia-se na constituição do homem: todos os grupos humanos são fundamentalmente empresas de doação de sentido, isto é, dotam de sentido o universo, porque o sentido é o fenómeno central da vida social e nenhum aspecto desta pode ser compreendido sem uma investigação do problema do que significa para aqueles que participam nela. A necessidade de sentido tem, ao mesmo tempo, dimensões cognitivas e normativas: toda a sociedade proporciona aos seus membros um mapa cognitivo da realidade e, simultaneamente, uma moralidade aplicável à mesma. O primeiro permite-nos saber onde estamos e o segundo orienta-nos no que deve ser feito nessa localização concreta. Ora, nenhuma sociedade pode manter-se unida se os seus membros não partilharem um sistema global de sentidos. Como demonstrou Durkheim, o direito ao sentido é a protecção da anomia, entendida como caos, ausência de ordem, portanto de sentido. Ora, a modernização introduziu alterações significativas neste domínio do sentido: nas sociedades pré-modernas, o direito ao sentido implica o direito do indivíduo a orientar-se pela tradição; enquanto nas sociedades modernas, implica o direito do indivíduo a escolher os seus próprios sentidos. Isto significa que a modernização consiste, ao nível do sentido, em passar da aceitação do já dado (a tradição) à escolha. A modernização implica, portanto, a troca de uma existência determinada pelo destino por uma série longa de possibilidades de decisão, a chamada compulsão de escolha. As duas grandes instituições da sociedade moderna que promovem a passagem do destino para a compulsão da escolha são a economia de mercado e a democracia, ambas baseadas na escolha agregada de muitos indivíduos e estimuladoras da escolha constante. Todo o mundo de sentido proporciona aos que habitam nele um refúgio contra a anomia, um lugar seguro. A modernização coloca a grave ameaça da falta de lar, fazendo dos indivíduos seres apátridas e, num sentido mais profundo, sem-abrigo (Rilke). A globalização acentua ainda mais esses efeitos da modernização e pode mesmo desorientar os indivíduos, agravando ou dificultando a formação da identidade pessoal e de um mínimo de identidade na interpretação da realidade, o que prejudica necessariamente a estabilização do sentido. Dado que nenhum processo social pode ser bem sucedido se não for dotado de um sentido que o ilumine de dentro e dado que os indivíduos correm o sério risco de se perderem num mercado de sentido plural e sempre mutável, torna-se necessário, hoje mais do que nunca, uma abordagem «humanista» (no sentido clássico ocidental das humanidades) da política de desenvolvimento. Caso contrário, se os políticos recusarem resolver este problema do sentido, serão confrontados com duas reacções: a atitude fundamentalista, que pretende reconquistar toda a sociedade para os valores e tradições antigos, e a atitude relativista, que desiste de afirmar quaisquer valores e reservas de sentido comum. Os fundamentalistas partem para a acção e os relativistas ficam no discurso. Ora, o socialismo ou social-democracia deve defender as suas próprias políticas de sentido, olhando para a frente, portanto para o futuro, mas sem esquecer as promessas não realizadas do passado. Este último aspecto é fundamental para lidar com os fundamentalismos. Por isso, é necessário uma nova política da educação, que não sobrevalorizasse as ciências e as tecnologias em detrimento das humanidades. O reforço das humanidades é fundamental para o futuro da democracia e da civilização Ocidental, não das humanidades que se ensinam actualmente, de resto degradadas e reduzidas a uma interminável «conversa de café», mas das humanidades dotadas de programas profundos, criativos e abertos ao futuro e ensinadas por professores competentes, de resto a principal "causa" da actual degradação do seu ensino. Sem esta dimensão humanística, o plano tecnológico carece de alma: pode produzir muitas coisas, menos cidadãos saudáveis, participativos e capazes de lutar pelo aprofundamento de uma sociedade cada vez mais livre, responsável, solidária e justa. Embora possa ser uma peça fundamental num mundo plural, multi-étnico e multicultural, a tolerância defendida por John Locke não é o único princípio capaz de fomentar o respeito pelas diferenças. (Retomado daqui.) J Francisco Saraiva de Sousa
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