terça-feira, 13 de novembro de 2007

Filosofia da Técnica

A «Meditación de la Técnica» de José Ortega y Gasset é ligeiramente mais profunda que as «meditações da técnica» de Heidegger, embora possam ser confrontadas e articuladas, de modo a clarificar a «essência» da técnica.
Embora não mencione os outros filósofos que se debruçaram sobre a técnica, em particular Karl Marx (Kostas Axelos), Ortega y Gasset parece conhecê-los bem, porquanto sabe demarcar e distinguir as suas teses das teses defendidas por outros, sempre a partir da sua perspectiva «vitalista», a qual cai sob a alçada da crítica pertinente e actual que Hannah Arendt faz da noção de vida como «valor supremo».
«Qué es la técnica?». A esta questão, Ortega y Gasset responde deste modo:
«El conjunto de (actos técnicos) es la técnica, que podemos, desde luego, definir como la reforma que el hombre impone a la naturaleza en vista de la satisgacción de sus necesidades. Estas, hemos visto, eran imposiciones de la naturaleza al hombre. El hombre responde imponiendo a su vez un cambio a la naturaleza. Es, pues, la técnica, la reacción enérgica contra la naturaleza o circunstancia que lleva a crear entre estas y el hombre una nueva naturaleza puesta sobre aquella, una sobrenaturaleza. Conste, pues: la técnica no es lo que el hombre hace para satisfacer sus necesidades. Esta expresión es equívoca y valdría también para el repertorio biológico de los actos animales. La técnica es la reforma de la naturaleza, de esa naturaleza que nos hace necesitados y menesterosos, reforma en sentido tal que las necesidades queden a ser posible anuladas por dejar de ser problema su satisfacción. Si siempre que sentimos frío la naturaleza automáticamente pusiese a nuestra vera fuego, es evidente que no sentiríamos la necesidad de calentarnos, como normalmente no sentimos la necesidad de respirar, sino que simplemente respiramos sin sernos ello problema alguno. Pues eso hace la técnica, precisamente eso: ponernos el calor junto a la sensación de frío y anular prácticamente esta en cuanto necesidad, menesterosidad, negación, problema y angustia».
Ortega y Gasset tem consciência do carácter «tosco» desta primeira «aproximación a la pregunta: Qué es la técnica?», mas é esta aproximação que pretendemos impugnar e debater.
Os aspectos relevantes desta aproximação teórica são os seguintes:
1. A técnica é «a reforma que o homem impõe à natureza, tendo em vista a satisfacção das suas necessidades». Esta reforma da natureza cria uma nova natureza, denominada «sobrenatureza» ou tecnosfera.
2. A natureza fez-nos «necessitados e laboriosos» e, por isso, impõe-nos a tarefa de a transformar, de modo a suprir as nossas necessidades ou carências. A teoria da técnica de Ortega y Gasset assenta numa teoria das necessidades, que Bronislaw Malinowski integrou na sua teoria funcional da cultura. De facto, a teoria da técnica de Ortega y Gasset é fortemente marcada pelo funcionalismo que articula com uma versão forte do «vitalismo»: todas as necessidades derivam do próprio viver. «No es, pues, el alimentarse necesario por sí, es necesario para viver. (...) Este viver es, pues, la necesidad originaria (resultante de um acto de vontade) de que todas las demás son meras consecuencias». Reduzida a natureza àquilo que nos rodeia, à «circunstancia», Ortega y Gasset define a vida humana por oposição à vida animal, como não coincidindo completamente com o perfil das suas necessidades orgânicas, rejeitando qualquer abordagem que recorra ao «instinto» ou à própria natureza, como se fossemos extraterrestres na Terra.
3. A técnica é vista como uma reforma «contra la naturaleza», o que torna difícil a defesa de uma política do ambiente ou de uma ética do ambiente.
Alinhavada a nossa crítica, torna-se evidente que esta concepção da técnica de Ortega y Gasset não é capaz de pensar as novas tecnologias da comunicação e da informação, a biotecnologia e a engenharia genética. Uma concepção funcional da técnica ou uma concepção da técnica como dominação da natureza são insuficientes.
J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

Incansável matador sanguinário disse...

Não conheço a filosofia, nem ortega e gasset mas apesar do sentido que você tentou dar com ''contra a natureza'', a definição é perfeita e talvez melhor tradução para o portuguÊs seja:
''o aprimoramento que o homem impõe à natureza, tendo em vista a satisfacção das suas necessidades''
Não concorda?
Sem dúvida isto inclui toda forma de técnica. É simples e tosco, já que assim são todas as leis e definições genéricas.
Deixa de lado apenas a ciência pura, no âmbito das formas correntes de entender o conhecimento.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, é uma sugestão a levar em conta... Obrigado!