As mentes apáticas e conformistas tendem a reduzir a democracia electrónica ao voto electrónico e a outros procedimentos técnicos, como se a democracia electrónica fosse um conjunto de processos tecnológicos usados ao serviço da democracia representativa tal como a conhecemos. Uma tal concepção de democracia electrónica é extremamente redutora, muito pouco política e revela a satisfação dessas mentes com a sociedade estabelecida: as mentes que a defendem são, portanto, metabolicamente reduzidas, isto é, mentes mais interessadas em defender os seus interesses privados do que em melhorar a democracia representativa. A democracia electrónica pode ser vista como uma longa e extensa conversa online sobre o mundo, na qual todos os cidadãos podem participar livre e racionalmente, sem coacções. Usar as funcionalidades da Internet como esferas públicas ou fóruns de debates públicos é fazer um uso libertador e responsável das novas tecnologias, em face do qual os outros usos denunciam a ideologia que os move: a apologia da ordem estabelecida. Nesta perspectiva, a democracia electrónica possibilita a participação política de todos aqueles cidadãos que, de outro modo, o predominante, não têm direito à palavra, a não ser em dias de eleições. A democracia electrónica reanima o espírito da democracia ateniense num novo espaço público virtual: a rede. Como forma de democracia participativa, a democracia electrónica pode potencialmente reanimar a política, a formação da consciência política, o exercício de uma cidadania responsável e empenhada no debate crítico dos assuntos públicos e, deste modo, contribuir para melhorar a qualidade da democracia representativa. Os teóricos da democracia electrónica nunca a apresentaram como uma forma de democracia directa e, portanto, como alternativa política credível à democracia representativa. Esta ideia absurda é uma mentira inventada por aqueles que temem, e com razão, que a participação dos cidadãos lhes roube visibilidade. De facto, esta pode ser uma tarefa da democracia electrónica: criticar severamente aqueles que usam e abusam do poder para benefício próprio e que, por isso, fazem tudo para reduzir os cidadãos à condição de «metecos», isto é, de excluídos políticos. Contudo, embora a tecnologia ofereça essa possibilidade de alargar virtualmente a esfera pública, devemos ajudar todos aqueles que desejam sinceramente participar e contribuir para a politização da sua consciência: dotá-los de espírito crítico, de resto um bem muito escasso. Todos os meus textos publicados no blogue «CyberCultura e Democracia Online» revelam claramente que sou um adepto prudente da democracia electrónica: acredito que as comunidades virtuais podem ajudar os cidadãos a revitalizar a democracia, mediante a participação responsável na esfera pública alargada a todos e liberta da comunicação manipuladora. No entanto, sou herdeiro de uma constelação teórica que tem sido e ainda continua a ser muito crítica em relação aos efeitos da comunicação mediada por computador, mas sobretudo em relação aos media electrónicos: refiro-me evidentemente à teoria crítica e à Escola de Frankfurt. Por isso, e dado que não negligencio os seus receios legítimos, pretendo estudar melhor estes três grupos de cépticos e analisar os seus argumentos, de modo a clarificar o próprio conceito de democracia electrónica. Acredito no potencial democratizador das telecomunicações e dos computadores e, escutando as vozes que se fazem ouvir num vasto conjunto de blogues, defendo a ideia básica de que a comunicação mediada por computador leva aos cidadãos responsáveis alguns poderes dos mass media, detidos pelos mandarins da política e da economia, reabilitando democraticamente a esfera pública. A comunicação mediada por computador é potencialmente uma tecnologia democratizante e, por isso, estou empenhado na luta contra todas as tentativas de feudalizá-la ou colonizá-la abusivamente, contra os interesses reais dos cidadãos, que o jornalismo manipulatório tenta converter em leitores-consumidores. As criticas sociais às novas tecnologias podem ser agrupadas em três frentes teóricas, intimamente relacionadas umas com as outras ou, pelo menos, complementares: (1) a teoria da indústria cultural e a sua reformulação por Habermas, (2) a teoria panóptica do poder de Michel Foucault, de resto inspirada em Jeremy Bentham e seu projecto prisional, (3) e a teoria hiper-realista nas suas diversas versões, a de Guy Debord ou a de Jean Braudillard. Estas críticas são pertinentes e merecem ser escutadas e pensadas. Como já as meditei, ao longo de inúmeras aulas e seminários de «teorias da comunicação social», posso dizer que a comunicação mediada por computador pode ser o veículo privilegiado para a realização dos «ideais» que norteiam a crítica da sociedade. Mas, como num mundo global, nada está estabelecido definitivamente, é necessário reflectir nas ameaças sugeridas pelos restantes cépticos e estar preparado para fazer face a elas sempre que surjam no horizonte. Apesar disso, o meu optimismo tem sido reforçado pelo conhecimento de bloguistas extremamente competentes e inteligentes, alguns dos quais estão desempregados, talvez devido à mediocridade instalada no poder que bloqueia sistematicamente o desabrochar de novas capacidades.
J Francisco Saraiva de Sousa
2 comentários:
Excelente artigo.
No tempo dos gregos a Democracia era directa, tudo porque era facil juntar a população grega que podia votar (excepto mulheres, crianças, escravos e metecos) no monte Pnyx. A Democracia representativa acontece por uma questão pratica: não podemos colocar milhoes de portugueses no parlamento ao votar. Os referendos mesmo assim continuam a merecer repulsa e nunca nos tornemos nesse aspecto, seguramente uma suiça.
A internet pode sem duvida ajudar a essa democracia mais interventiva, apresenta contudo alguns problemas. Temos ouvido boatos na comunicação social que saem dos blogs. Depois revelam-se falsos. O anonimato dá estes problemas. Eu podia por exmeplo agora, em vez de fazer loggin com o meu nome, colocar um nome falso mas de alguem conhecido, por exemplo alguem da sua vida, um professor, um amigo, qualquer coisa... e começar a provocá-lo ficando o francisco a pensar que eu era de facto essa pessoa...
abraço e continuação de bom blog
Obrigado
Coloca um problema importante e já o denunciei diversas vezes.
Abraço
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