domingo, 15 de junho de 2008

BlogScience: Teoria Crítica da Blogosfera

Este é aparentemente um trabalho teórico mais de recolha de informação do que de fina elaboração teórica, cuja finalidade é sensibilizar os cyberleitores para a tarefa de pensar a blogosfera no âmbito da cyberfilosofia. As fontes documentais deste texto são a Wikipédia, a enciclopédia livre online, e SapoBlogs, sem excluir uma leitura diagonal de alguns blogues nacionais e estrangeiros que tratam deste assunto.
Quando um filósofo faz uma afirmação como a que acabei de proferir, ele encobre um projecto: o de lançar os fundamentos de uma nova ciência — a ciência dos blogues ou blogscience. A razão deste encobrimento prende-se com o facto da filosofia ser um «campo de batalha», onde todas as posições estão tomadas e claramente definidas. Se quisermos conquistar território, temos de definir a nossa posição por oposição a outras posições e, de preferência, desalojá-las, redefinindo um novo espaço de intervenção, quer no plano da ciência, quer no plano da política. A nossa tarefa será reanalisar as concepções implícitas nesses documentos, de modo a criticá-las e a substituí-las por outros conceitos. Começaremos por formular algumas teses:
Tese 1. A ciência dos blogues não é uma recolha acrítica daquilo que os bloguistas dizem da sua própria actividade e da blogosfera. Chamaremos ao conjunto dessas afirmações filosofia espontânea dos bloguistas, a qual constitui matéria-prima teórica que deve ser transformada em conhecimento científico, mediante a elaboração de uma teoria dos blogues e o uso de métodos e instrumentos de trabalho adequados.Com esta tese, acabámos de tomar uma posição forte: a ciência dos blogues é distinta das concepções que os próprios bloguistas tecem sobre a sua actividade e a blogosfera. A segunda tese deve ser mais positiva, procurando delimitar o campo de estudo da blogscience e fixar novas metodologias de estudo desta nova área do conhecimento científico.
Tese 2. Trata-se de uma nova ciência que tem por objecto o estudo das determinações de um fenómeno recente da Internet: a blogosfera. Ao ramo da cyberfilosofia que estuda a blogosfera chamaremos blogscience ou ciência dos blogues e ao conjunto dos blogues, blogosfera. Esta nova ciência afirma-se simultaneamente no plano cognitivo e no plano político. Isto significa que a blogosfera pode ser vista como uma arena de intervenção política (ágora virtual), que alarga necessariamente o âmbito da esfera pública, e, ao mesmo tempo, como uma área de estudo.
1. Concepção Emic da Blogosfera. Costuma-se dizer que a filosofia coloca mais questões do que as resolve, mas, tal como Karl Popper, um adversário dessa concepção vulgar, prefiro colocar questões e resolvê-las ou, pelo menos, apontar para vias de resolução. A nossa posição será formulada por oposição a duas perspectivas: a do SapoBlogs e a da Wikipédia.
1.1. A Concepção do SAPOBLOGS. A concepção da blogosfera apresentada neste portal português é mais objectiva, ou melhor, mais informativa do que a da Wikipédia, muito mais especulativa. Das cinco questões colocadas, retemos apenas as respostas das três primeiras: O que é a Blogosfera?, O que é um Blog?, e Qual é a diferença entre um Blog e uma Página pessoal (Homepage)?
1.1.1. Blogosfera. Chama-se blogosfera a "toda a comunidade e conteúdos que constituem os Blogs. O conjunto de quem faz, de quem disponibiliza e de quem lê Blogs é a Blogosfera". A blogosfera é definida ora como comunidade ora como o conjunto dos conteúdos dos blogues, seguida de um modelo tripartido: autores de blogues (quem faz), os programas e/ou empresas que disponibilizam esse serviço, no nosso caso a Google (quem disponibiliza), e os leitores (quem lê) dos blogues, que podem ser outros bloguistas ou meros cybernautas. De forma simplicada, este modelo subjacente a esta concepção pode ser reduzido a um modelo de comunicação: emissor, meio e receptor ou leitor que, no caso dos blogues abertos, pode reagir à mensagem, com a edição de comentários. Esta concepção da blogosfera esquece que o modelo de comunicação que tende a predominar no seu seio é o diálogo: a comunicação mediada por computador é dialógica.
1.1.2. Blogue. "A definição de Blog não é consensual. Um Blog é um registo cronológico e, frequentemente, actualizado de opiniões, emoções, factos, imagens ou qualquer outro tipo de conteúdo que o autor ou autores queiram disponibilizar. Existem muitos tipos de Blogs, ouve-se muitas vezes a expressão "Diário virtual" para descrever o Blog, o SAPO pensa que um Blog pode ser muito mais do que isso. Depende apenas e só do que o autor ou autores queiram que o seu Blog seja". Assim, por exemplo,
Carlos Serra distingue seis tipos de blogues: 1) blogue tipo "gosto de comer amendoins", 2) blogue de "distracção descerebralizadora", 3) blogue de "exegese erótica", 4) blogue "científico", 5) blogue "político" e 6) blogue "comercial directo ou disfarçado", e, na sua perspectiva política, o bloguismo constitui «arma política de grande eficácia». (Leia a entrevista AQUI ou AQUI.) Apesar de partilharmos algumas afinidades em termos da visão política do bloguismo, traçamos claramente uma linha de demarcação entre a blogosfera e a mediasfera, cuja presença na blogosfera é vista como uma tentativa de abolir a comunicação livre entre cidadãos livres e autónomos, tentado refeudalizá-la (Habermas). De facto, os blogues estão a modificar a nossa relação com a informação (Bruce Sterling). Nos mass media tradicionais, um escreve, alguém lê e assim se publica: tudo aquilo que é publicado tem eco. Na blogosfera, primeiro publica-se, depois os leitores lêem, corrigem, ampliam, desenvolvem e, colectivamente, decidem o destino desse texto, oferecendo-lhe uma das infinitas opções possíveis entre eco e indiferença.
1.1.3. Página Pessoal. A diferença entre blogue e página pessoal assenta não só numa questão técnica mas também numa questão filosófica: "Tecnicamente, um Blog dispõe de uma ferramenta de edição que permite a qualquer leigo colocar de imediato os seus conteúdos on-line, e actualizá-los sempre sem precisar de saber absolutamente nada de html. Filosoficamente, o Blog difere de uma Página Pessoal na medida em que as actualizações são muitíssimo mais frequentes do que as que são habitualmente feitas a uma página pessoal, e porque tem um conceito cronológico associado". SapoBlogs lembra que existem outras questões de ética de Blogs que imprimem uma diferença, como por exemplo, a teoria de que não se pode apagar artigos (posts), mas esta última é apenas um detalhe. Em suma: "Uma página pessoal pode não ser actualizada com frequência, mantendo o seu espírito intacto, um Blog que não é actualizado com frequência, deixa de ser um Blog. Uma página pessoal pode ser estática (ou não), um Blog não pode ser estático, caso contrário deixa de ser um Blog".
Esta distinção entre blogue e homepage é bastante consensual, embora a noção de blogue como «diário virtual» se preste a usos menos interessantes em termos do universo e da tecnologia dos blogues. Sem uma tipologia empírica dos blogues e do perfil dos bloguistas, e dada a natureza filosófica deste empreendimento, consideramos que os blogues comerciais, biográficos, sexuais, íntimos ou muito pessoais e outros do género possuem menor qualidade e relevância política e científica do que os restantes tipos de blogues. Com excepção do bloguista-peregrino, os bloguistas deambulador, vagabundo, turista e jogador (Bauman, Slevin), tendem a não criar laços on-line, preferindo navegar sem rumo e sem compromissos com o mundo e, portanto, com a humanidade.
Nós, filósofos profissionais, somos terríveis quando traçamos estas linhas de demarcação. Mas esta prática filosófica justifica-se pelo laço estreito que a filosofia estabeleceu desde as origens com a esfera política (Platão/Aristóteles) e, como aqui defendemos uma concepção política da blogosfera, somos forçados a privilegiar todos os blogues que são usados como meios de participação na nova esfera pública virtual, a propósito das coisas públicas e não privadas ou mesmo íntimas, cujo alcance é de menor relevo, dado fomentarem o voyeurismo on-line, o exibicionismo on-line e a criação de comunidades emocionais e sexuais virtuais metabolicamente reduzidas, sem interesse para os destinos dos mortais, num mundo cada vez mais global e ameaçado. Isto não quer dizer que esses blogues de menor relevância não devam ser estudados e penso que a cybersociologia lhes deve dar atenção, porque eles podem ser lidos como sintoma de algo que aflige os seus autores, devido a problemas de sociedade. Aliás, o universo das páginas pessoais tem sido mais estudado do que o universo dos blogues.
1.2. A Concepção da Wikipédia. Optámos por iniciar pelo portal Sapoblogs, porque os conceitos e distinções conceptuais que fornece são relativamente objectivos e muito pouco especulativos. Segundo a Wikipédia, o termo blogosfera foi cunhado, em 10 de Setembro de 1999, por Brad L. Graham como uma «piada» e foi redescoberto, em 2002, por William Quick. Depois foi rapidamente adoptado e divulgado pela comunidade de blogs sobre guerras, os chamados warblogs ou blogues de guerra. Muitos continuaram a tratar o termo como uma «piada». Contudo, segundo a Wikipédia, os meios de comunicação social dos USA, nomeadamente através do programa Morning Edition da National Public Radio, Day To Day, All Things Considered e outros, começaram a usar frequentemente o termo, até que entrou no domínio do uso público e na esfera da opinião pública.
1.2.1. Blogosfera. A Wikipédia descobre, acidentalmente ou não, uma similaridade da palavra blogosfera com a palavra mais antiga «logosfera», que traduz como «o mundo das palavras» ou «o universo do discurso», e uma aproximação, na pronúncia e no significado, deste outro termo «noosfera» ou «o mundo do pensamento».
A Wikipédia observa que a blogosfera é designada ironicamente, pelo menos algumas vezes, como «blogóbulo», por aqueles que desconsideram, tal como os mass media da primeira geração, o seu impacto fora de si mesma ou que a consideram insular. Aqueles com blog e que, por isso, participam da blogosfera, já foram tratados como «bloguesia» na edição de 4 de Setembro de 2006 do jornal Libération, para os opor aos info-excluídos. Esta concepção forjada pelos mass media tradicionais visa neutralizar a blogosfera e colonizá-la, repondo o seu modelo unidireccional de comunicação. A Wikipédia fornece mais três entradas associadas à blogosfera, a saber: a noosfera, a ideosfera e a infosfera. Só mediante o recurso a estes outros termos é que começamos a entender o que a Wikipédia entende por blogosfera.
1.2.2. Noosfera. A noosfera refere a "esfera do pensamento humano", e o termo deriva da palavra grega νους (nous, "mente") num sentido semelhante à atmosfera e à biosfera. Na teoria original de Vernadsky, a noosfera seria a terceira etapa no desenvolvimento da Terra, depois da geosfera (matéria inanimada) e da biosfera (vida biológica). Assim como o surgimento da vida transformou significativamente a geosfera, o surgimento do conhecimento humano e os consequentes efeitos das ciências aplicadas sobre a natureza alterou igualmente a biosfera. O conceito da noosfera é atribuído ao Teilhard de Chardin. Segundo Chardin, assim como existem a atmosfera, a geosfera e a biosfera, há também o mundo ou esfera das ideias, formado por produtos culturais, pelo espírito, linguagens, teorias e conhecimentos. Segundo Chardin, alimentamos a noosfera quando pensamos e comunicamos uns com os outros. A partir de então, o conceito de noosfera foi revisto e atribuído ao próximo degrau evolutivo do nosso mundo, após a sua passagem pelas posteriores transformações de geosfera, biosfera, "tecnosfera" (temporária e em andamento) e, então, a noosfera.
1.2.3. Ideosfera. A ideosfera é um neologismo criado por Aaron Lynch e Douglas Hofstadter na década de 80. De forma semelhante à biosfera, onde se processa a evolução biológica, na ideosfera ocorreria a evolução mimética, com a criação, a evolução e a seleção natural de pensamentos, teorias e ideias. A ideosfera não é considerada como um espaço físico, porque se encontra “no interior das mentes” de todos os seres humanos: a Internet, os livros e outros mass media podem ser incluídos no seio da ideosfera.
Segundo Yasuhiko Kimura, no momento actual, a ideosfera forma uma "ideosfera concêntrica", com as ideias sendo geradas por algumas poucas pessoas e as demais unicamente recebendo e aceitando-as por serem provenientes daquelas “autoridades externas”. Talvez fosse melhor referir a dependência dos blogues das práticas de agenda-setting da mediasfera. Contra um tal colonialismo ideosférico, Kimura defende a criação de uma "ideosfera omnicêntrica" ("omnicentric ideosphere"), na qual todos os indivíduos participem como cidadãos de forma efectiva, criando novas ideias e interagindo entre si na condição de "auto-autoridades" ("self-authorities"), libertos das agendas externas da mediasfera.
1.2.4. Infosfera. A infosfera é um neologismo criado por Luciano Floridi e que faz referência a um complexo ambiente informacional constituído por todas as entidades informacionais, as suas propriedades, as suas interacções, os seus processos e demais relações.
Segundo Richard Dawkins (1976), um meme está para a memória como o gene está para a genética. Considerado como a sua unidade mínima, o meme é uma unidade de informação que se multiplica de cérebro em cérebro, ou entre locais onde a informação é armazenada (como livros) e outros locais de armazenamento (como cérebros). Funcionalmente, o meme é considerado uma unidade de evolução cultural que pode, de alguma forma, autopropagar-se. Os memes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma. O estudo dos modelos evolutivos da transferência de informação cultural é conhecido como memética.
Quando usado num contexto coloquial e não especializado, o termo meme pode significar apenas a transmissão de informação de uma mente para outra. Este uso aproxima o termo da analogia da "linguagem como vírus", afastando-o do propósito original de Dawkins, que procurava definir os memes como replicadores de comportamentos.
2. Concepçãp Etic de Blogosfera. A Wikipédia aborda a blogosfera numa perspectiva demasiado «evolucionista» e, neste âmbito, apesar de socorrer-se da biologia da evolução, usa um evolucionismo repleto de finalismo e perfeccionismo, como se a evolução biológica tivesse qualquer finalidade: a blogosfera é assim vista como a fase derradeira dessa evolução biológica substituída pela evolução cultural. Esta concepção esquece o fundamental: a blogosfera não é um mero "mundo (estático) de ideias", mas o lugar da conversa sobre o mundo. Nela existem pessoas que trocam opiniões sobre a realidade e contribuem para enriquecer a percepção que cada um tem do meio social, político e cultural em que todos vivemos nesta "aldeia global" (Marshall McLuhan). Assim, como diz Jay Rosen, na blogosfera os indivíduos participam livremente, sem tutelas, no grande jogo de influências chamado opinião pública. Na Grande Conversação (Giuseppe Granieri) que é a blogosfera a única lei é o respeito recíproco, e a punição é uma redução de atenção. A experiência histórica devia ter ensinado a estas mentes de inteligência reduzida que todo o pensamento que procura colonizar o futuro, como se este tivesse já pré-figurado, destrói mais do que liberta o futuro.
Tese 3. A teoria da informação é fundamentalmente uma teoria matemática que coloca problemas filosóficos interessantes, pelo menos ao nível epistemológico e lógico, mas insuficiente para dar conta da complexidade da comunicação mediada por computador e dos seus diversos usos. A blogosfera não deve ser vista como um mundo irreal ou como mera fuga ao mundo diário, onde os bloguistas procuram escapar às rotinas da vida quotidiana e viverem vidas artificiais e alienadas. A cyberfilosofia não é uma mera teoria da informação e da comunicação e, até mesmo quando se debruça sobre esses conceitos, visa a sua ultrapassagem teórica. Com efeito, o mundo da Internet é um mundo social e, como tal, é um mundo histórico, perfeitamente inserido e integrado no mundo off-line. Esta lição de Hegel/Marx deve ser integrada na cyberfilosofia, de modo a que esta possa pensar radicalmente a revolução tecnológica do nosso mundo moderno, cada vez mais global e mediado.
As mentes apáticas e conformistas tendem a reduzir a democracia electrónica ao voto electrónico e a outros procedimentos técnicos, como se a democracia electrónica fosse um conjunto de processos tecnológicos usados ao serviço da democracia representativa tal como a conhecemos. Uma tal concepção de democracia electrónica é extremamente redutora, muito pouco política e revela a satisfação dessas mentes com a sociedade estabelecida: as mentes que a defendem são, portanto, metabolicamente reduzidas, isto é, mentes mais interessadas em defender os seus interesses privados do que em melhorar a qualidade da democracia real.
A
democracia electrónica pode ser vista como uma longa e extensa conversa on-line sobre o mundo, na qual todos os cidadãos podem participar livre e racionalmente, sem coacções (Howard Rheingold). Usar as funcionalidades da Internet como esferas públicas ou fóruns de debates públicos é fazer um uso libertador e responsável das novas tecnologias da comunicação, em face do qual os outros usos denunciam a ideologia que os move: a apologia da ordem estabelecida. Nesta perspectiva, a democracia electrónica possibilita a participação política de todos aqueles cidadãos que, de outro modo, o predominante, não têm direito à palavra, a não ser em dias de eleições. A democracia electrónica reanima o espírito da democracia ateniense num novo espaço público virtual: a rede. Como forma de democracia participativa, a democracia electrónica pode potencialmente reanimar a política, a formação da consciência política, o exercício de uma cidadania mundial responsável e empenhada no debate crítico dos assuntos públicos e, deste modo, contribuir para melhorar a qualidade da democracia representativa.
Os teóricos da democracia electrónica nunca a apresentaram como uma forma de democracia directa e, portanto, como alternativa política credível à democracia representativa. Esta ideia absurda é uma mentira inventada por aqueles que temem, e com razão, que a participação na esfera pública dos cidadãos lhes roube visibilidade. De facto, esta pode ser uma tarefa da democracia electrónica: criticar severamente aqueles que usam e abusam do poder para benefício próprio e que, por isso, fazem tudo para reduzir os cidadãos à condição de «metecos», isto é, de excluídos políticos. Contudo, embora a tecnologia ofereça essa possibilidade de alargar virtualmente a esfera pública, devemos ajudar todos aqueles que desejam sinceramente participar e contribuir para a politização da sua consciência: dotá-los de espírito crítico, de resto um bem muito escasso na sociedade metabolicamente reduzida. De facto, apesar do lado negro da Internet, perfilho o optimismo militante de Ernst Bloch e, por isso, sou um adepto prudente da democracia electrónica: acredito que as comunidades virtuais podem ajudar os cidadãos a revitalizar a democracia, mediante a participação responsável na esfera pública alargada a todos e liberta da comunicação manipuladora e distorcida.
No entanto, sou herdeiro de uma constelação teórica que tem sido e ainda continua a ser muito crítica em relação aos efeitos da comunicação mediada por computador, mas sobretudo em relação aos media electrónicos da primeira e da segunda gerações: refiro-me evidentemente à teoria crítica e à Escola de Frankfurt. Por isso, e dado que não negligencio os seus receios legítimos, pretendo estudar melhor estes três grupos de cépticos e analisar os seus argumentos, de modo a clarificar o próprio conceito de democracia electrónica.
Acredito no potencial democratizador das telecomunicações e dos computadores e, escutando as vozes que se fazem ouvir num vasto conjunto de blogues, defendo a ideia básica de que a comunicação mediada por computador restitui aos cidadãos responsáveis alguns poderes dos mass media, detidos pelos mandarins da política e da economia, reabilitando democraticamente a esfera pública. A comunicação mediada por computador é potencialmente uma tecnologia democratizante/libertadora e, por isso, estou empenhado na luta contra todas as tentativas de refeudalizá-la ou colonizá-la abusivamente, contra os interesses reais dos cidadãos, que o jornalismo manipulador tenta converter em leitores-consumidores. O blogging não é uma forma de jornalismo, mas uma nova forma de circulação das informações, de preferência produzidas por cidadãos do mundo libertos da tutela jornalística manipuladora.
As criticas sociais às novas tecnologias podem ser agrupadas em três frentes teóricas, intimamente relacionadas umas com as outras ou, pelo menos, complementares:
1) a teoria da indústria cultural e a sua reformulação por Habermas, que teme que as redes interactivas de banda larga possam ser utilizadas em conjunto com outras tecnologias como meio de vigilância, controle e desinformação, para além de canal de transmissão de informação útil;
2) a teoria panóptica do poder de Michel Foucault, de resto inspirada em Jeremy Bentham e no seu projecto prisional, que considera que as tecnologias de informação permitem aos governos e aos interesses privados (empresas) saber coisas sobre cada um de nós, através de uma espécie de invasão electrónica da nossa vida privada;
3) e a teoria hiper-realista nas suas diversas versões, a de Guy Debord ou a de Jean Braudillard, que acredita que as tecnologias de informação já transformaram aquilo que passava por ser "a realidade" numa simulação electrónica.
Estas críticas são pertinentes e merecem ser escutadas e pensadas. Como já as meditei, ao longo de inúmeros seminários de «teorias da comunicação social», posso dizer que a comunicação mediada por computador pode ser o veículo privilegiado para a realização dos «ideais» que norteiam a crítica da sociedade. Mas, como num mundo global, nada está estabelecido definitivamente, é necessário reflectir nas ameaças sugeridas pelos cybercépticos e estar preparado para fazer face a elas sempre que surjam no horizonte. Apesar disso, o meu optimismo militante (Ernst Bloch) tem sido reforçado pelo conhecimento de bloguistas extremamente competentes e inteligentes, alguns dos quais estão desempregados, talvez devido à luso-mediocridade instalada no poder que bloqueia sistematicamente o desabrochar de novas capacidades e de novas possibilidades históricas.
J Francisco Saraiva de Sousa

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