terça-feira, 27 de maio de 2008

Modernidade, Mass Media e Tradição (Dois)

«São o constante revolucionar da produção, a ininterrupta perturbação de todas as relações sociais, a interminável incerteza e agitação, que distinguem a época burguesa de todas as épocas anteriores. Todas as relações fixas, imobilizadas, com o seu cortejo de ideias e opiniões veneráveis, são varridas; todas as novas relações, recém-formadas, se tornam obsoletas antes de chegarem a consolidar-se. Tudo o que é sólido se dissolve no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais despertos as verdadeiras condições da sua vida e as suas relações com os outros homens» (Karl Marx/F. Engels): Eis aqui enunciado o princípio de uma nova teoria marxista da modernidade, já vislumbrada por Marshall Berman.
3. A teoria da modernização proposta pela teoria social clássica deve ser revista à luz de quatro objecções fundamentais:
1ª. Com o desenvolvimento das sociedades modernas, ocorreu efectivamente um declínio gradual da fundamentação tradicional da acção e do papel da autoridade tradicional. De facto, como demonstraram Marx e Weber, os aspectos normativo e legitimador da autoridade tradicional entraram em declínio acelerado nas sociedades modernas, embora na nossa era da globalização hajam sinais da sua «recuperação» por parte de movimentos conservadores.
2ª. Porém, noutros aspectos, a tradição conserva a sua importância no mundo moderno, quer como meio de dar sentido ao mundo e à vida (aspecto hermenêutico), quer como meio de criar um sentido de pertença (aspecto identificador), sem o qual a vida perde o encanto.
3ª. Apesar de manter a sua importância, a tradição transformou-se: a transmissão do material simbólico tornou-se cada vez mais separada da interacção social quotidiana partilhada em ambientes comuns. Isto significa que, como diz Thompson, as tradições não desapareceram, como teimam em afirmar os teóricos da modernidade ou da pós-modernidade, mas perderam a sua fundação nos locais partilhados da vida quotidiana. É esta mediatização da tradição que permitiu a Liliane Lurçat falar das "crianças TV".
4ª. O desenraizamento das tradições dos locais partilhados da vida quotidiana não significa que as tradições flutuem livremente; pelo contrário, as tradições só poderão sobreviver se e somente se forem continuamente reincorporadas em novos contextos e refundadas em novos tipos de unidades territoriais. Os mass media de segunda geração (Mark Poster) constituem esses novos territórios, onde as tradições podem voltar a reflorescer.
A teoria clássica da modernização implica não só o declínio da tradição, mas também o desaparecimento da sociedade tradicional. Ora, a relação entre tradição e modernidade é muito mais complexa e paradoxal, porque o declínio evidente da autoridade tradicional e dos fundamentos tradicionais da acção social não significa necessariamente a morte da tradição, sobretudo depois de 11 de Setembro. Pelo contrário, aponta para novos sinais de mudança na sua natureza e no seu papel que se tornam cada vez mais evidentes à medida que os indivíduos começam a confiar mais nas tradições mediadas e separadas dos contextos sociais partilhados, para dar sentido ao mundo e criar sentido de pertença. Para exemplificar esta complexidade, podemos referir duas obras: "O Fim de uma Tradição: Cultura e Desenvolvimento no Município de Cunha" de Robert W. Shirley e "The Passing of Traditional Society" de Daniel Lerner. Ambas assentam numa pesquisa de terreno e tratam do processo de modernização no Médio Oriente/Líbano (Lerner) e no Município de Cunha/Brasil (Shirley).
A teoria de Lerner é particularmente emblemática, porque retoma a oposição clássica entre sociedades tradicionais e sociedades modernas, encarando a transição das primeiras para as segundas em função da teoria da modernização exposta brilhantemente em termos económicos por Maurice Dobb na sua «evolução do capitalismo» ou mesmo por Raymond Aron nas suas lições sobre a «sociedade industrial». Segundo Lerner, as características mais relevantes das sociedades tradicionais são as seguintes: 1) As sociedades tradicionais fragmentam-se em comunidades isoladas umas das outras, nas quais as relações de parentesco desempenham um papel fundamental, de resto reconhecido por Engels. 2) Nestas sociedades, os horizontes das pessoas são limitados pelo contexto geográfico: as interacções sociais reduzem-se ao conhecimento recíproco e personalizado. 3) A vida quotidiana é rotinizada segundo padrões tradicionais que raramente são justificados ou problematizados pelas pessoas, dada a ausência de conhecimento de outros estilos de vida alternativos que se desenrolam em locais distantes. 4) Dado as pessoas que nasceram nessas comunidades terem uma vida que se desenrola em conformidade com rotinas não-questionadas, a sua auto-expressão é relativamente exígua e o seu self tende a ser limitado: o self enraíza-se no familiar e na rotina e a sua trajectória de vida é organizada à custa de uma auto-reflexão mais alargada, aberta e abrangente.
Nas sociedades modernas, o indivíduo é dotado de um elevado grau de flexibilidade e de mobilidade física e mental (Simmel), portanto, completamente estranho ao mundo fechado (A. Koyré) do "self tradicionalista" ou do indivíduo traditivo-dirigido (David Riesman). Esta abertura do self foi facilitada não só pelo crescimento das viagens, do turismo e dos deslocamentos, mas sobretudo pela difusão de "experiências mediadas": a comunicação de massas funciona assim como «um multiplicador da mobilidade» (Lerner) física e/ou virtual. Este confronto com novos estilos de vida alternativos torna a vida quotidiana das pessoas menos rígida e, ao mesmo tempo, mais insegura (Giddens, Winnicott), na medida em que se começa a imaginar o que pode vir a acontecer no futuro, em vez de pressupor que será igual ao passado, como sucedia nas sociedades tradicionais avessas ao relógio (Carlo Cipolla, L. Mumford, G. J. Whittrow). Retomando um conceito fenomenológico (Scheler), Lerner usa o termo "empatia" para descrever a capacidade de um indivíduo para se colocar no lugar ou no papel do outro (G. Mead), capacidade esta dependente da exposição aos mass media. Ora, esta capacidade possibilita aos indivíduos distanciar-se imaginariamente das circunstâncias imediatas e interessar-se por temas e assuntos que não afectam directamente a sua vida diária.
O aperfeiçoamento da empatia torna o self mais expansivo, aberto e ansioso. Em vez de se localizar num ponto fixo de uma suposta ordem imutável das coisas, o self percebe a sua própria vida como um ponto que se move ao longo de uma trajectória de coisas imaginadas. Com efeito, imaginar um mundo para além das imediações locais significa alargar os horizontes de mundo e da vida, mas também significa imaginar um mundo de riscos (Ulrich Beck) e de novas oportunidades, muitas das quais perdidas (Heidegger), no qual pode ou não nascer uma nova vida através de uma contínua assimilação de experiências verdadeiras e vicárias.
Apesar de reconhecer o impacto dos mass media na estruturação das sociedades modernas, Lerner tende a encarar a passagem das sociedades tradicionais para as sociedades modernas como um processo de racionalização crescente que elimina gradualmente a necessidade de formular um conjunto de conceitos, crenças e valores, capaz de doar sentido ao mundo e ao lugar que cada um de nós ocupa no mundo. Como escreveu Max Weber, aliás na peugada de Nietzsche e de Tolstoi: Para o indivíduo moderno, «a morte constitui um acontecimento que não tem sentido. (Ora, dado a morte já não ter sentido, a vida) também perdeu o sentido». Esquecido o sentido, o que resta ao homem senão a errância na qual mergulha a loucura? Neste mundo inóspito, a vida tem deixado de ser predominantemente peregrinação e, no que se refere às identidades, o peregrino tem cedido o seu lugar predominante às figuras do deambulador, do vagabundo, do turista e do jogador (Z. Bauman).
«A autoridade tal como a conhecemos outrora, saída da experiência romana de fundação e entendida à luz da filosofia política grega, não foi restabelecida em parte nenhuma, fosse através de revoluções ou através desse expediente ainda menos promissor que são as restaurações, e menos ainda através de tendências conservadoras que de vez em quando invadem a opinião pública. Viver numa esfera política onde nem a autoridade nem a concomitante consciência de que a fonte da autoridade transcende o poder e as pessoas que o detêm significa ver-se novamente confrontado, sem a confiança religiosa num começo sagrado nem a protecção de normas de conduta tradicionais e por isso auto-evidentes, com os problemas mais elementares da convivência humana». (Hannah Arendt)
4. A literatura sobre a destruição da tradição é abundante e releva, como vimos, da teoria clássica da modernização. Porém, a teoria de Lerner ajuda a esclarecer a relação entre a tradição e os mass media, ao mesmo tempo que possibilita mostrar que o desenvolvimento das novas tecnologias da comunicação não levou necessariamente à destruição da tradição vista como matriz identitária e hermenêutica. Pelo contrário, os mass media da segunda geração transformaram a tradição: a sua formação e a sua transmissão tornaram-se cada vez mais dependentes das formas de comunicação que transcendem os contextos práticos e locais da interacção face a face, o que pode ajudar a compreender a crise da escola.
A tradição foi, portanto, mediatizada e este processo de mediatização da tradição acarretou, como observou Thompson, três consequências fundamentais: a tradição torna-se mais desritualizada, despersonalizada e desenraizada ou deslocada.
1. Desritualização. A fixação do conteúdo simbólico nos produtos dos mass media garante uma forma de permanência temporal que, geralmente, não existe nos intercâmbios comunicativos que se desenrolam nas interacções face a face. Esta continuidade temporal diminui a necessidade de reconstituição prática e contínua dos conteúdos simbólicos, ao mesmo tempo que facilita o seu acesso alargado (Walter Benjamin). Assim, a manutenção da tradição no tempo torna-se menos dependente de uma reconstituição ritualizada, isto é, a tradição torna-se cada vez mais desritualizada, sem ser destruída ou perder a sua força. Neste sentido, a descoberta do alfabeto e, posteriormente, da imprensa, constitui a maior revolução tecnológica de todos os tempos (Marshall McLuhan, Derrick de Kerckhove), sem a qual a filosofia não teria emergido na Grécia Antiga (Eric Havelock).
2. Despersonalização. Ao tornar-se cada vez mais dependente das formas mediadas de comunicação, a transmissão da tradição separa-se e distancia-se dos indivíduos com os quais interagimos na vida diária: a tradição é assim despersonalizada, adquirindo uma certa autonomia e uma autoridade próprias, já que não depende dos indivíduos para ser transmitida. Na sua obra mais magnífica, "Tristes Trópicos", Claude Lévy-Strauss elaborou a hipótese deveras interessante de que «a função primária da publicação escrita foi a de facilitar a servidão», apoiando-a no célebre caso de um chefe tribal que a fingiu usar para exercitar o seu poder sobre os outros. Para Lévy-Strauss, «a luta contra o analfabetismo confunde-se assim com o reforço do controle dos cidadãos pelo Poder. Pois é necessário que todos saibam ler para que este último possa dizer: ninguém pode ignorar a lei». Porém, como lembra Hannah Arendt, a partir da experiência romana, autoridade e poder são fenómenos distintos:
«A tradição preservava o passado ao transmitir de geração em geração o testemunho dos antecessores, tanto o dos que haviam criado e testemunhado a sagrada fundação, como o dos que, ao longo de séculos, a tinham aumentado pela sua autoridade. Enquanto esta tradição se mantivesse ininterrupta, a autoridade permanecia intacta; e agir sem autoridade nem tradição, sem padrões e modelos aceites e consagrados pelo tempo, sem o auxílio da sabedoria dos pais fundadores, era algo de inconcebível. O conceito de uma tradição espiritual e de uma autoridade em matéria de pensamento e de ideias deriva aqui da esfera política, sendo, por conseguinte essencialmente derivativa, tal como a concepção platónica do papel da razão proveio da esfera filosófica e se tornou derivativa no âmbito dos assuntos humanos. Fundamental, porém, em termos históricos é o facto de os romanos terem sentido que precisavam de pais fundadores e de exemplos de autoridade também no domínio do pensamento e das ideias, e o facto de terem adoptado os grandes "antepassados" da Grécia como figuras de autoridade em matéria de teoria».
Como mostra a actual crise da escola e da educação, a autoridade é distinta do poder e não depende da personalização, isto é, das interacções face a face que se desenrolam em contextos práticos da vida quotidiana. Isto parece significar que a mediatização da tradição não constitui um factor susceptível de explicar a perda de autoridade. Se a tradição perdeu autoridade, tal facto não pode ser imputado à sua mediação, mas deve ser procurado na crise de autoridade que está instalada na esfera política.
3. Deslocação. Ao se tornarem dependentes dos meios de comunicação, no que respeita à sua conservação e à sua transmissão de geração em geração, as tradições foram gradualmente desenraizadas e deslocadas, já que o elo que as mantinha ligadas a lugares específicos de interacção face a face, tais como a escola, a igreja ou a família, foi enfraquecido e, parcialmente, quebrado. A conexão entre tradição e unidades espaciais reais foi assim destruída.
Estes três aspectos definem a mediatização da tradição que não foi destruída pela modernização, mas, em vez disso, foi desenraizada e deslocada pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação desde a descoberta da escrita e da imprensa. Falta saber se este deslocamento da tradição poderá conduzir a uma espécie de "prisão virtual", onde o self se perde a si mesmo na mesma proporção em que perde o contacto directo com os outros reais em contextos de interacção face a face, embora a própria tecnologia da Internet esteja a criar novas formas de exposição pública mediatizadas que, de certo modo, neutralizam a despersonalização.
«As interpenetrações de civilizações não constituem fenómeno novo, ligado à expansão europeia do século XIX. Pelo contrário, pode-se dizer que a História de toda a humanidade é a História do contacto, das lutas, das migrações e das fusões culturais». (Roger Bastide)
«A razão destruiu o seu próprio progenitor. Podemos agora acrescentar o parricídio à lista dos seus crimes. É parricida, além de impotente e suicida». (Ernst Gellner)
5. Como vimos anteriormente, à medida que se tornam cada vez mais dependentes dos meios de comunicação de massas no que se refere à sua conservação e à sua manutenção, as tradições são gradualmente desenraizadas dos lugares particulares e, por consequência, ficam menos dependentes das interacções face a face. Este desenraizamento das tradições facilita a sua adaptação, transformação, transfiguração ou codificação por parte dos indivíduos que têm acesso aos meios de produção e de distribuição das formas simbólicas mediadas. Contudo, se não forem reimplantadas em contextos práticos da vida quotidiana, as tradições mediadas correm o sério risco de perderem importância, ficando entregues à deriva e à flutuação permanentes. O conceito de "invenção da tradição" foi criado para mostrar que a mediação da tradição é, no fundo, um processo de reinvenção da tradição (Hobsbawm & Ranger), o qual garante a sua coerência. Desalojada dos lugares particulares, a tradição é assumida, remodelada, reinventada e reimplantada de novas maneiras na vida social, sem perder a sua autenticidade.
Com o desenvolvimento dos mass media da primeira e da segunda gerações, as tradições foram desenraizadas, trabalhadas e novamente fundadas em novos tipos de unidades territoriais que, com a globalização da comunicação, tendem a cobrir todo o planeta, como se este se tivesse convertido numa "aldeia global" (Marshall McLuhan). O acesso das populações de todas as regiões da Terra às novas tecnologias da informação e da comunicação, sobretudo à comunicação mediada por computador, cria um novo problema que merece atenção: Tradições diferentes misturam-se em territórios partilhados, reais ou virtuais, e confrontam-se quando são difundidas pelos mass media à escala global e deslocadas pelas populações migrantes, podendo incentivar conflitos interculturais.
A migração é um fenómeno característico das sociedades modernas. Quando migram ou são forçadas a mudar de um lugar originário para outro estranho, as pessoas transportam consigo conjuntos de valores, de crenças e de padrões de comportamento que fazem parte das suas tradições. Estas tradições nómadas sustentam-se através de reconstituições ritualizadas e de práticas de narração oral de histórias em contextos de interacção face a face (Goffman). Porém, com o decorrer do tempo, as tradições nómadas sofrem transformações, uma vez que, estando afastadas dos seus contextos originais, se misturam com conteúdos simbólicos provenientes das novas circunstâncias em que são reconstituídas. Este processo de assimilação ou de aculturação foi analisado pelos teóricos sociais da Escola de Chicago e Alfred Schutz esboçou a sua fenomenologia social (Veja este post ainda não elaborado:
Alfred Schutz: a Fenomenologia do Lar). Darcy Ribeiro tratou da transfiguração étnica e da integração das populações indígenas no Brasil moderno e, tal como Gilberto Freyre e Roger Bastide, analisa este fenómeno sob o conceito de mestiçagem cultural.
De um modo geral, as tradições nómadas transportadas pelas pessoas que se deslocam para outros territórios culturais e civilizacionais ou são integradas na cultura para a qual foram levadas, ou são rejeitadas e os seus «transportadores», condenados à exclusão social. A mediatização das tradições possibilita e facilita a conservação e o renovamento das tradições nómadas entre os migrantes e os grupos deslocados. Apesar deste papel desempenhado na conservação dessas tradições nómadas, os mass media e os deslocamentos de populações de migrantes favorecem e promovem a dispersão das tradições. Além de criar uma paisagem cultural extremamente complexa e diversificada, a dispersão das tradições provoca novas formas de tensão e de conflitos sociais, culturais e étnicos. Estes conflitos podem ser observados em contextos e níveis diferentes.
1. Ao nível da família, pais e filhos oriundos de populações migrantes tendem a avaliar de modos diferentes as tradições originárias, donde resulta quase sempre um conflito de gerações. Os pais desejam conservar uma certa continuidade cultural com o passado, enquanto os filhos preferem assimilar as tradições da comunidade de acolhimento, onde nasceram e pretendem viver.
2. Ao nível individual, uma pessoa tende a experimentar subjectivamente este conflito geracional como um confronto entre conjuntos de crenças e de valores que impelem em diferentes direcções. O indivíduo sente-se, nessa situação, dividido entre duas tradições: a paterna e a da comunidade que o acolhe, isto é, entre o passado e o futuro.
Esta situação permite compreender a busca de raízes como um projecto cultural que tem uma forte, embora ambivalente, relação com as populações migrantes. O apelo às origens oferece uma via para recuperar e inventar tradições que religuem os indivíduos aos lugares de origem, reais ou imaginários, de modo a ajudar a remodelar um aspecto do self que foi suprimido, ignorado ou estigmatizado pela comunidade de acolhimento. Contudo, este projecto de recuperação de tradições ligadas a um suposto lugar de origem tende a ser vivido pelo indivíduo de um modo ambivalente, porque sente que as tradições de origem não têm nada a ver com o tipo de vida que deseja construir para si mesmo.
Nas sociedades modernas, as tradições étnicas estão cada vez mais em contacto umas com as outras, devido às migrações étnicas e à globalização dos produtos dos mass media. Este contacto intercultural entre tradições diferentes não é geralmente acompanhado pela compreensão recíproca entre os indivíduos que pertencem a grupos diferentes. Como verificamos actualmente na Europa e nos USA em relação aos muçulmanos, o encontro de tradições muito diferentes gera formas intensas de conflito intercultural, sobretudo quando estão associadas a relações étnicas e a relações assimétricas de poder e de desigualdade. Além disso, o contacto entre tradições ou civilizações tende a gerar formas intensificadas de definição de fronteiras que tomam a forma de esforços contínuos para proteger a integridade de tradições e para reafirmar formas de identidade colectiva ligadas a tradições culturais, mediante a exclusão social daqueles que não pertencem ao grupo. Estas actividades de definição de fronteiras podem ser simbólicas e/ou territoriais e originam formas de exclusão geradoras de violência.
Apesar disso, o processo de mestiçagem cultural parece ser, pelo menos aparentemente, uma fonte de criatividade e de dinamismo culturais. Actualmente, a mistura de populações e de tradições cria um contínuo híbrido cultural ou uma multiplicidade de culturas mestiças, que revelam que, num mundo cada vez mais dominado pelos fluxos de comunicação e de informação e pelas migrações culturais, as tradições não estão imunizadas contra os efeitos resultantes dos encontros inevitáveis com outros radicalmente diferentes. Os mass media são ambíguos: estimulam a busca das origens ou mesmo o diálogo intercultural, ao mesmo tempo que fomentam os conflitos interculturais. Nesta hora de ameaça terrorista, o Ocidente deve resgatar a sua tradição cognitivamente superior (Habermas) e orgulhar-se da sua História. (Publicado originariamente em "CyberCultura e Democracia Online".)
J Francisco Saraiva de Sousa

7 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A série "Modernidade, Mass Media e Tradição" está concluída.

nimodesign disse...

Qual a bibliografia lida?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Os autores referidos; mas geralmente não faço bibliografia.
Interessam-me as ideias e os conceitos: os autores são referidos e têm muitas obras.

Cumprimentos

Ana Moreno disse...

Este tema da construção da tradição interessa-me em especial porque a minha tese de dissertação tenta agrupar dois conceitos a tradição e o comércio para mais tarde abordar esta temática ao nível da imagem. Neste momento estou a ler Edward Shills e o seu livro "Tradition", mas como leiga que sou nesta matéria, sou designer gráfica, qualquer bibliografia adicional e mais directa atendendo ao tempo que tenho para realizar a dissertação seria uma ajuda enorme. por isso este meu pedido. Se pudesses facultar alguns títulos de livros que te ajudaram a escrever este texto para mim seria de uma enorme ajuda, porque como bem sabes vou ter de justificar toda a minha leitura e com títulos de autores reconhecidos a coisa fica mais simples e académica.

Ana Moreno disse...

No fim de tanto comentário só gostaria de agradecer a publicação deste texto que em muito me ajudou a compreender e reflectir sobre esta matéria. Vou estar atenta e parece-me que outros textos serão igualmente interessantes para a temática que exploro. Não pertendo uma teorização aprofundada do tema, não tenho bases para a defender, mas sim suportar todo um trabalho de imagem que pertendo realizar.

Mais um vez muito obrigado pelo texto.

Atenciosamente,
Ana Moreno, aluna do mestrado Design da Imagem da FBAUP

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Tradição e Comércio é um tema que pode comercializar a tradição. Ora, o sentido do meu texto é outro: é dizer "não" à comercialização da tradição. :)

Joana Alcântara disse...

Para quem quiser aprofundar as suas leituras e reflectir acerca das implicações da globalização no processo de modernização aqui fica a sugestão:

APPADURAI, Arjun .1996. Dimensões culturais da globalização: a modernidade sem peias, Lisboa: Teorema.

Obrigada pelo seu texto.

Joana Alcântara