quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Reler Sampaio Bruno

«José Pereira de Sampaio (1857-1915), natural do Porto, onde, com excepção de um período de exílio (1981-93) por motivos políticos, se processou toda a sua vida, adoptou aos 14 anos o pseudónimo de Bruno, a que sempre se manteve fiel e do qual provém a denominação de Sampaio Bruno, por que é mais conhecido. Autor de obra vasta, de índole política, religiosa e filosófica, na qual se salientou o Brasil Mental (1898), e A Ideia de Deus (1902), por duas razões - escreve Joel Serrão - figura neste Dicionário (de História de Portugal): 1) a sua acção de propangadista da República e o papel que a sua obra de pensador (de raízes esotéricas) desempenhou na cultura portuguesa dos fins do século (XIX) e primeiro quartel do (século XX); 2) a bibliografia, que também nos legou, de temas históricos» (Joel Serrão, 1985).
Sampaio Bruno legou-nos uma obra vasta que, com excepção do estudo de Joel Serrão («Sampaio Bruno: O Homem e o Pensamento»), ainda não foi seriamente avaliada, quer pela sua novidade e erudição, quer pelos seus contributos especificamente filosóficos nos domínios da teoria política, da teoria estética, da teoria da história e da teoria da religião. E isto devido sobretudo ao facto de ser mais um pensador ilustre do Porto e, por isso, marginalizado pelo luso-pensamento dominante, o de Lisboa.
Com estas breves considerações, pretendemos resgatar o pensamento de Sampaio Bruno e insuflar-lhe uma rajada de ar fresco vivo, apesar da sua linguagem ser um pouco rebuscada. Além do seu pensamento político republicano, destacamos o seu contributo nos domínios da estética e da filosofia da história.
1) Estética de Sampaio Bruno. Este pensador portuense ilustre escreveu uma das maiores obras em língua portuguesa sobre a «evolução do romance» no Ocidente, destacando o romance português, e entrando em confronto com grandes filósofos e literatos mundiais, num tempo tão indigente como era o seu. Com efeito, «A Geração Nova» (1885) deve figurar na história da estética e da teoria literária, juntamente com a «Teoria do Romance» de Georg Lukács e os escritos de Walter Benjamin, e, em muitos aspectos, antecipa a «sociologia do romance» tal como a elaborou Lucien Goldmann. É preciso reler esta obra que confronta as estéticas de Kant e de Hegel, sem esquecer Marx, que exerceu um fascínio sobre Sampaio Bruno.
2) Filosofia da História de Sampaio Bruno. Se nada foi feito no domínio estético aberto por Bruno, muito foi feito para destruir a filosofia da história de Sampaio Bruno. Joel Serrão afirma que a sua filosofia da história portuguesa «é de matriz esotérica (sic) e messianista, na qual se destaca, no primeiro dos livros referidos («O Encoberto», 1904), a sua crítica à concepção predominante na época, e defendida por Antero de Quental e Oliveira Martins, da decadência nacional, após a empresa dos Descobrimentos».
De facto, os pensadores do Porto sempre foram mais optimistas do que os restantes pensadores portugueses, até porque a burguesia era mais forte no Porto do que noutras cidades de Portugal. As obras referidas são, além de «O Encoberto», «Portuenses Ilustres» (1907-1908), «O Porto Culto» (1912) e a obra póstuma «Os Cavaleiros do Amor» (1960).
Consideramos que a teoria da história atribuída a Sampaio Bruno deve ser reavaliada em nova chave hermenêutica. Por isso, o enigma do Encoberto ainda continua à espera de ser revelado nessa nova chave hermenêutica, uma chave que faça justiça à Cidade do Porto, contra as injúrias inventadas por cérebros perversos e mal intencionados.
António Quadros (1982) é um dos paladinos dessa concepção obscura da história de Portugal, o sebastianismo, que desenvolve fora de uma matriz filosófica. Contra ela, Sampaio Bruno escreveu: «Dissipe-se a nuvem que encobre o herói. O herói não é um príncipe predestinado. Não é mesmo um povo. É o Homem». Pouco mais adiante, Sampaio Bruno acrescenta: «Ora, a humanidade é irresumível, e o carácter da sociabilidade reside precisamente em sua extensibilidade. Civilização quer dizer integração. Não são devaneios políticos; são factos corroborados. Considere-se o acesso recente do Japão à nossa cultura ocidental» (p.332-333). A própria estrutura da obra não permite necessariamente uma leitura sebastianista da história de Portugal, apontando claramente numa direcção mais «global» e aberta, como diríamos hoje. O Encoberto só pode ser revelado numa outra chave hermenêutica: a da globalização sempre em marcha e aberta.
J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

Renato Martins disse...

esse argumento da periferia do pensamento de sampaio bruno é válido, tive essa conversa uma vez mesmo com uma professora portuense. Tal como Bruno, Raul Brandão tambem é um pouco ostracizado devido a sua condição.

Bruno é excelente, o seu problema foi ter sido metafisico demais para aquela época e mesmo para hoje. Continua para mim a ser no entanto, apaixonante.

Se fores à antiga página do cafe filosofico de evora chegámos a criar um programa para estudá-lo profundamente naquele blog, contudo faltou depois a disponibilidade dos membros por razoes varias.

abraço

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Vou ver essa página. Sim, é demasiado metafísico e a sua escrita não é atractiva.
Abraço