segunda-feira, 27 de abril de 2009

Teoria da Publicidade (2)

«O espectáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta na sua plenitude a essência de qualquer sistema ideológico: o empobrecimento, a submissão e a negação da vida real. O espectáculo é, materialmente, "a expressão da separação e do afastamento entre o homem e o homem". O "novo poderio do embuste" que se concentrou aí tem a sua base nesta produção pela qual "com a massa de objectos cresce... o novo domínio dos seres estranhos aos quais o homem está submetido". É o estádio supremo duma expansão que virou a necessidade contra a vida. "A necessidade de dinheiro é, portanto, a verdadeira necessidade produzida pela economia política e a única necessidade que ela produz" (Karl Marx). O espectáculo alarga a toda a vida social o princípio que Hegel, na Realphilosophie de Iena, concebe como o do dinheiro: é "a vida do que está morto movendo-se em si próprio"». (Guy Debord)
Pretendo expor agora uma teoria científica da publicidade em geral, de modo a explicitar o mecanismo publicitário, isto é, o seu modo de funcionamento na sociedade de consumo, a sociedade que reforça mediante o expediente de tranquilizar a consciência e de dissipar a polissemia angustiante do mundo, a partir da tentativa de dar uma resposta a esta questão: Como consegue a publicidade usufruir da credibilidade suficiente para exercer tanta influência sobre as pessoas? Tal como Thorstein Veblen, John K. Galbraith, Stuart Ewen, Herbert Marcuse, Raymond Williams, Paul Baran, Paul Sweezy, Ernst Mandel, Vance Packard, John Berger, Roland Barthes, Jean Baudrillard, Jerry Mander, Guy Debord, Terry Eagleton, Fredric Jameson e Sut Jhally, vejo a publicidade como a cultura, ou melhor, a ideologia materializada, a ideologia total (Karl Mannheim) finalmente realizada, da sociedade de consumo: a publicidade integra as pessoas "interpeladas" (Althusser) na sua derradeira condição de espectadores-consumidores numa teia complexa fabricada de estatuto social e de significado simbólico, a visão totalitária realizada naquilo que Guy Debord chama o "espectáculo imobilizado da não-história".
Jean Baudrillard elaborou uma teoria da sociedade de consumo, na qual pretende superar a obra de Marx, alegando que, no capitalismo avançado, tudo ou quase tudo cabe dentro da esfera do valor de troca, isto é, no domínio do mercado. Isto significa que ocorreu uma ruptura radical no desenvolvimento do capitalismo que Baudrillard tematiza como a passagem de um fase em que a forma-mercadoria era predominante para uma outra fase não prevista por Marx em que prevalece a forma-signo. Segundo Baudrillard, o consumo, que constitui o traço mais importante do capitalismo avançado, opera através da "manipulação sistemática dos signos" dentro do funcionamento de um código simbólico que mantém sob seu controle, não as contradições da produção, mas a procura e o simbolismo no âmbito do mercado: os objectos perderam toda a ligação com a base da sua utilidade prática e passaram a ser um mero correlato material, o significante, de um número crescente de qualidades abstractas em constante mutação. Esta lógica da significação constitui a verdadeira essência do capitalismo avançado: o código simbólico atribui às mercadorias qualquer significado, independentemente do fim para que são usadas, através da manipulação da sua relação com os outros signos, de modo que as pessoas socializadas pelo monopólio do código publicitário são «forçadas» a "entrar no jogo". O resultado é este: "O signo deixa de designar o que quer que seja. Aproxima-se do seu verdadeiro limite estrutural, que reside em referir-se apenas a outros signos. Toda a realidade se torna, então, lugar de uma manipulação semiúrgica, de uma simulação estruturada". Daqui decorre que nenhuma relação humana se encontra inscrita nas coisas, porque "tudo é signo e signo puro", sem presença ou história: o universo do consumo é, pois, uma "prática idealista total, sistemática, (absolutamente alheia à satisfação das necessidades e ao princípio de realidade), que ultrapassa de longe a relação com os objectos e a relação interindividual para se alargar a todos os registos da história, da comunicação e da cultura".
Contudo, apesar do seu brilhante contributo para a compreensão do capitalismo avançado, Baudrillard errou quando recusou ver na teoria do feiticismo da mercadoria de Marx a base para uma nova análise do consumo e da publicidade como manipulação dos signos, portanto, como feiticismo. Com base no conceito de publicidade como feiticismo, isto é, como mistificação, derivado de uma releitura de Marx que não vou expor neste momento, podemos criticar uma noção neoliberal de publicidade: aquela que a apresenta como um meio de competição ou de concorrência que, em última análise, beneficia o público, o conjunto dos consumidores, e os fabricantes mais competentes, e, deste modo, toda a economia. Este conceito de publicidade defendido pelos economistas do sistema reinante está organicamente ligado à ideia de liberdade de escolha do comprador e de liberdade de iniciativa do fabricante, portanto, à ideia de um mercado livre, como se a publicidade oferecesse a liberdade de opção. Embora seja verdade que, na publicidade, uma marca ou um produto concorram com outras marcas ou produtos, a publicidade é mais do que o conjunto de mensagens concorrentes: a publicidade é, em si própria, uma linguagem constantemente usada para fazer uma única proposta, a proposta para que cada um de nós se transforme a si mesmo e modifique a sua vida pela compra de mais qualquer coisa que nos tornará mais ricos, apesar de termos menos dinheiro por tê-lo gasto a comprá-la.
A questão colocada inicialmente, a saber, "Como consegue a publicidade usufruir da credibilidade suficiente para exercer tanta influência sobre as pessoas?", pode, neste momento, ser reformulada e adoptar esta forma: Como consegue a publicidade convencer-nos desta transformação? Os publicitários de sucesso sabem que o êxito das novas promoções dirigidas aos consumidores depende sempre da componente emotiva do público em conexão com a estratégia de comunicação da empresa. Isto significa que o publicitário deve ser capaz de propor mecanismos que actuem sobre o universo dos desejos, racionais ou irracionais, conscientes ou inconscientes, do público. A lógica da publicidade é, portanto, uma lógica das emoções, e, enquanto tal, inscreve-se no sistema límbico ou no cérebro emocional. Alguns publicitários vão mais longe quando falam da conversão do produto em personagem, aquilo a que chamam personality promotion, um conjunto de operações que, afectando emotivamente o público, personificam o produto e o relacionam com personagens da moda, personagens bombásticas e ocas, ou com testemunhos fascinantes e credíveis, ao mesmo tempo que criam expectativas. Podemos agora responder à pergunta reformulada e afirmar que a publicidade nos convence dessa transformação de nós mesmos e da nossa vida mostrando-nos pessoas que aparentemente se modificaram e são, portanto, invejáveis. A publicidade estimula, ainda que por instantes, constantemente renovados e actualizados, a nossa imaginação, através da memória ou da esperança. Apesar de pertencerem ao momento que passa, as imagens publicitárias que invadem todo o nosso quotidiano nunca se referem ao presente, mas referem-se frequentemente ao passado e falam sempre do futuro. Ora, o facto das imagens publicitárias pertencerem ao momento presente e falarem do futuro produz um efeito estranho que nos passa despercebido: a publicidade não trata de objectos e muito menos de relações entre objectos e pessoas, mas de relações sociais e humanas, precisamente daquilo que encobre.
Para explicitar o modelo do mecanismo publicitário proposto, vou recorrer à terminologia de John Berger, levando em conta a teoria da classe ociosa de Thorstein Veblen e a análise do capitalismo de Marx. Berger captou explicitamente este mecanismo quando afirma que "o estado de ser invejado é o que constitui a fascinação, e a publicidade é o processo de fabricar fascínio". O fascínio é uma invenção moderna que não pode existir sem a inveja social, o sentimento vulgar e generalizado gerado pela sociedade de consumo. A linguagem da publicidade é a linguagem da
inveja social: fabricar fascínio é produzir o estado de ser invejado ou invejável e, portanto, feliz, isto é, de ser a criatura ou o alvo do desejo dos outros, um sentimento não-recíproco profundamente estranho às figuras de poder das sociedades pré-modernas. Ao contrário do que sugere Baudrillard, a publicidade não perde o contacto com a realidade: vestuário, comida, bebida, automóveis, cosméticos, banhos, moradias, telemóveis, electrodomésticos, viagens ou calor do sol constituem coisas muito apreciáveis que a publicidade trabalha a partir de um apetite natural de prazer. Porém, a publicidade não é a celebração de um prazer em si próprio, porque trata sempre do futuro comprador, oferecendo-lhe uma imagem de si próprio tornada fascinante pelo produto ou pela oportunidade que tenta vender. As imagens que a publicidade oferece visam fazer com que o consumidor se torne invejoso daquilo que pode vir a ser. A publicidade convida o consumidor a transformar-se numa criatura invejosa, mais precisamente a ser alvo da inveja que provocará nos outros. Em vez de ser uma promessa de prazer, a publicidade é uma promessa de felicidade, mas da felicidade tal como é vista de fora, pelos outros que passam a olhá-lo com inveja. O fascínio é precisamente a felicidade de se ser desejado pelos outros. Porém, esta felicidade é uma forma solitária de afirmação, porque, não sendo recíproca, não possibilta partilhar a nossa experiência com aqueles que nos invejam. As pessoas fascinantes que dão rosto aos anúncios publicitários anseiam por ser vistas com interesse, sem no entanto observarem os outros com o mesmo interesse: o seu poder, isto é, a sua suposta felicidade afirmada na solidão é puramente ilusória.
A publicidade mina a dialéctica do reconhecimento (Hegel), ao mesmo tempo que escava o fosso entre o que uma pessoa é e aquilo que gostaria de ser, perpetuando indefinidamente a consciência infeliz (Marcuse, Hegel). As imagens publicitárias procuram retirar ao espectador-comprador o amor e a estima que sente por si, tal como é, e devolver-lho pelo preço do produto, partindo do pressuposto de que se inveja a si próprio tal como se imagina depois de comprar o produto, isto é, de que se imagina transformado pelo produto num objecto da inveja dos outros que fortificará a sua auto-estima. A publicidade torna o espectador-consumidor insatisfeito com a vida que tem, sugerindo-lhe que, se comprar o que lhe é proposto, a sua vida poderá melhorar. A publicidade desvaloriza sempre o presente em nome do futuro: em vez do presente insatisfatório do consumidor, aquilo que é e a sua vida tal como é, oferece-lhe uma alternativa melhorada. A compra do produto permite-lhe ser desejável, ou seja, quem compra torna-se desejável, quem não compra é muito menos desejável ou mesmo indesejável. Porém, a realização do futuro prometido pela publicidade é continuamente adiada: a consciência infeliz do consumidor é constantemente frustrada e lançada no mundo da fantasia alienante. A publicidade não se aplica à realidade mas à fantasia, ao jogo de correspondências entre as suas próprias fantasias e as do espectador-consumidor. O fosso entre o que o espectador-comprador sente que é e aquilo que gostaria de ser corresponde ao fosso entre o que a publicidade realmente oferece e o futuro que promete: ambos os fossos são um só e mesmo fosso preenchido por sonhos fascinantes.
O princípio de que cada um é aquilo que tem domina o universo publicitário. Isto significa que a publicidade age sobre a
ansiedade: o medo de que, não tendo nada, não se é ninguém. O dinheiro-feitiço é a vida, no sentido de ser a garantia e a chave de todas as capacidades humanas, porque possuir o poder de gastar dinheiro é deter o poder de viver: os indivíduos que podem gastar dinheiro são dignos de ser amados, enquanto os que não o possuem se tornam homens sem rosto. De facto, como já tinha sido observado por Adam Smith, só os ricos são alvo da admiração dos homens: os pobres simplesmente não existem, porque não podem ser invejados. Ora, se tudo é dinheiro, a idolatria do dinheiro ou, como dizia Spengler, a ditadura do dinheiro, então ter dinheiro e muitos cartões de crédito é poder vencer a ansiedade. Veblen mostrou que os indivíduos que vivem acima da linha da mera subsistência não sabem aproveitar os tempos livres que a sociedade lhes proporciona: em vez de procurar alargar as suas próprias vidas e viver com mais sabedoria, mais inteligência e mais compreensão, entregam-se exclusivamente ao jogo de impressionar (Goffman) as outras pessoas pelo facto de serem possuidoras do excesso de produtos colocados no mercado: o consumo conspícuo, isto é, o dispêndio de dinheiro, tempo e esforço, quase de todo inútil, para levar a cabo a agradável tarefa de inflar o próprio self, essa frágil e fragmentada imagem de si condenada ao metabolismo. O caso do automóvel exemplifica bem o consumo conspícuo: os automóveis particulares são escolhidos não pelo seu uso, conforto ou transporte, mas fundamentalmente para mostrar a posição e status dos seus proprietários no seio da comunidade, especialmente na comunidade vizinha. O que importa é o fabrico, a marca, o modelo, os dispositivos electrónicos ou os estofos, e muitas famílias privam as suas crianças do leite para comprar gasolina para o automóvel. Apesar do véu ideológico que a cobre, a sociedade de consumo continua a ser uma totalidade antagónica, dilacerada por conflitos silenciados, desigualdades sociais e assimetrias de poder. Estas diferenças abismais de rendimento levam as pessoas a privilegiar o consumo visível e, portanto, a encobrir a sua vida doméstica, de resto deveras mesquinha quando comparada com a parte ostensiva da sua existência que se desenrola perante o olhar dos outros que pretendem impressionar com a imagem de felicidade. Veblen já tinha verificado que as pessoas escondem da observação pública a sua vida privada: aquela parte do consumo que pode ser efectuada em segredo (Simmel) é mantida fora do contacto com os vizinhos. Segundo Veblen, "a baixa taxa de natalidade das classes mais premidas pelas exigências dos gastos de reputação é da mesma forma atribuível às demandas do padrão de vida, baseado no desperdício conspícuo. O consumo conspícuo e o consequente aumento das despesas, exigido pela manutenção respeitável de uma criança, é bastante considerável e age como um freio potente. É provavelmente o mais eficaz dos freios malthusianos de prudência". Em Portugal, fala-se frequentemente da existência da pobreza envergonhada: as pessoas são levadas a viver uma vida de miséria encoberta para não perderem o seu lugar ao sol (Pascal). As pessoas sujeitadas no e pelo código publicitário têm vergonha de serem pobres, isto é, criaturas não-invejáveis, portanto, meras coisas sem rosto. A publicidade responsabiliza-as individualmente pelo seu insucesso, fracasso e frustração, como se elas tivessem efectivamente liberdade de opção.
O sistema publicitário tem efeitos profundamente nefastos. Além de tornar todas as faculdades e necessidades humanas subsidiárias do poder de compra, o único poder reconhecido, e de neutralizar a oposição e a crítica através da atrofia da imaginação (Adorno), a publicidade tira significado ao trabalho produtivo, fazendo com que o trabalhador tenha inveja do consumidor ocioso e improdutivo, e transforma o consumo num substituto da democracia, ajudando a compensar e a encobrir tudo o que seja antidemocrático na sociedade. Como ideologia da sociedade de consumo, a publicidade promove e propaga, através das suas imagens, a confiança da sociedade capitalista em si própria, ao mesmo tempo que torna o espectador permanentemente insatisfeito consigo mesmo e com o seu estilo de vida. A comida tornou-se mais significativa do que a opção política e a violência gratuita mais estimulante do que a coexistência pacífica. A publicidade rouba-nos a vida, alienando-nos de nós mesmos e do mundo e submetendo-nos/mantendo-nos na condição de animais metabolicamente reduzidos com um sorriso publicitário, portanto, idiota, no rosto. (Publicado aqui.)
J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Teoria da Publicidade (1)

«O fascínio não pode existir sem que a inveja social pessoal constitua um sentimento vulgar e generalizado. A sociedade industrial, que caminhou para a democracia e depois parou a meio caminho, é a sociedade ideal para gerar este tipo de emoções. A procura da felicidade individual foi considerada um direito universal. No entanto, as condições sociais existentes fazem o indivíduo sentir-se impotente. Vive na contradição entre aquilo que é e aquilo que gostaria de ser. E então, ou se torna plenamente consciente da contradição e das suas causas e adere à luta política por uma democracia ampla, que envolve, entre outras coisas, o derrube do capitalismo, ou continua a viver continuamente sujeito a uma inveja que, associada ao seu sentimento de impotência, se dissolve no recurso ao devaneio, ao sonhar-acordado./ Assim se podem compreender os motivos por que a publicidade continua a merecer mérito. O fosso entre o que a publicidade realmente oferece e o futuro que promete corresponde ao fosso entre o que o espectador-comprador sente que é e aquilo que gostaria de ser. Os dois fossos tornam-se um só e, em vez de esse fosso único ser superado pela acção ou pela experiência vivida, é preenchido por sonhos fascinantes." (John Berger)
Nas cidades em que vivemos, sempre que folheamos um jornal ou uma revista, sempre que ligamos a TV ou a Internet, sempre que olhamos para os cartazes nas ruas e nos prédios, ou mesmo sempre que abrimos a nossa caixa-de-correio, somos confrontados com anúncios publicitários. A maior parte desses anúncios são anúncios que podem ser descritos como propaganda comercial ao consumidor, mas existem outros anúncios que não são comerciais, tais como os apelos de associações e de sociedades com finalidades caritativas ou políticas. É possível e desejável distinguir a publicidade não-comercial da publicidade comercial, cuja transição Jürgen Habermas pensou historicamente como subversão do "princípio da Publicidade", isto é, como refeudalização da esfera pública, noção que se aproxima do conceito de sistema da indústria cultural elaborado por Horkheimer & Adorno. A publicidade comercial abrange a publicidade de prestígio ou institucional (1), através da qual as empresas não anunciam mercadorias, produtos ou serviços, mas um nome ou imagem, visando não o incremento imediato das vendas, mas a criação de uma receptividade duradoura por parte do público; a publicidade industrial ou de varejo (2), através da qual as empresas anunciam os seus produtos ou serviços a outras empresas; e a publicidade comercial aos consumidores (3), através da qual as empresas anunciam os seus produtos ou serviços aos consumidores individuais, tendo em vista a promoção das vendas de bens e de serviços negociáveis. A publicidade é uma forma de comunicação que, neste último caso da publicidade comercial aos consumidores, implica uma relação desigual entre os dois participantes no processo de comunicação: os consumidores são compradores amadores em face de um vendedor profissional. A distinção entre anúncios de exibição, aqueles que aparecem destacados no jornais ou nas revistas, com o objectivo de chamar a atenção dos leitores, e anúncios classificados, aqueles que aparecem inseridos em páginas especiais e dispostos por assuntos nos jornais, ajuda a clarificar o conceito de publicidade comercial manipuladora. Geralmente, os anúncios classificados só são lidos por pessoas interessadas em determinados produtos ou serviços e divulgados por pequenas empresas locais ou pelos próprios cidadãos, enquanto os anúncios de exibição são divulgados por grandes empresas ou entidades que recorrem aos serviços de grandes agências de publicidade. Todos os anúncios comerciais são notícias públicas que visam difundir informações, tendo em vista, mediata ou imediatamente, a promoção da venda de bens e serviços negociáveis. Porém, apesar de visar de algum modo essa promoção, os anúncios classificados fornecem poucos elementos de persuasão, limitando-se, quase sempre, a anunciar a existência de alguma coisa disponível por determinado preço, e, por isso, aproximam-se muito da comunicação entre iguais. Ora, estas duas características são fundamentais para a publicidade: persuasão e comunicação entre desiguais, as quais dificultam a distinção entre publicidade e propaganda ou manipulação. Com efeito, esta assimetria comunicativa justifica a utilização do modelo linear da comunicação de Lasswell (1948), a versão verbal do modelo matemático da comunicação de Shannon & Weaver (1949), aplicada ao estudo da comunicação de massas: "Quem, Diz o quê, Em que canal, A quem, Com que efeito?". Ambos os modelos da comunicação apresentam-na como um mero processo linear de transmissão de mensagens no sentido que vai do emissor para o receptor, destacando a questão do efeito em vez da questão da significação: o efeito implica uma mudança observável e mensurável no receptor, causada por elementos identificáveis no processo de comunicação.
A perspectiva científica que tentámos sintetizar não é desmentida pelos próprios agentes publicitários, até porque a sua perspectiva retoma os conceitos científicos, imprimindo-lhes uma lógica sui generis. Tal como os teóricos da comunicação, os profissionais da publicidade e do marketing têm dificuldade em estabelecer o limite de diferenciação entre propaganda e publicidade. Definem geralmente a propaganda como a actividade que procura influir nas atitudes e nas opiniões das pessoas, de modo a aproximá-las das atitudes e das opiniões do emissor. Um modo de contornar esta dificuldade é estabelecer uma distinção entre a comunicação social e a comunicação comercial como as duas grandes formas de comunicação de massas. Deste modo, tenta-se restringir o uso da propaganda, aplicando-o apenas ao campo da política: a propaganda política seria aquela comunicação de conteúdo ideológico que persegue votos, atitudes e opiniões positivas, em relação ao partido político emissor das mensagens. A comunicação comercial designa aquela comunicação cujo propósito é produzir uma reacção da pessoa, no campo das suas actuações como comprador ou utente, através da adopção de diferentes formas de comunicação externa, à disposição da empresa, na sua relação com o mercado, tais como publicidade ou advertising (criação de uma atitude favorável à compra de determinados produtos, serviços ou empresas), promoção de vendas (produção de uma reacção de compra a curto prazo), força de vendas (equipa humana utilizada pela empresa para facilitar e/ou provocar a aquisição do produto ou serviço em qualquer um dos pontos do circuito de comercialização), merchandising (incremento da rentabilidade do posto de venda), relações públicas (criação de uma atitude favorável à empresa por parte dos seus distintos públicos) e publicity (conjunto de menções, referências, acções, de carácter público, protagonizadas pela empresa a custo zero, portanto, publicidade ilícita). Neste sentido, a publicidade pode ser definida como um processo de comunicação de carácter impessoal e controlado, a comunicação externa da empresa, que, através de meios de comunicação massivos, pretende dar a conhecer um produto, serviço, ideia ou instituição, com o objectivo de informar e/ou influenciar na sua compra (comportamento) ou aceitação (atitude). Os conceitos forjados pelos agentes publicitários parasitam os modelos processuais da comunicação, em particular o de Lasswell: informar e persuadir são os objectivos fundamentais da comunicação publicitária que, pela sua natureza instrumental, tende a converter a informação num argumento de persuasão, isto é, a usar a informação que motiva ou induz o público a adquirir o produto que irá satisfazer uma necessidade quase sempre criada artificialmente. Uma mensagem publicitária eficaz é aquela que produz nos receptores, ao lograr o seu convencimento, como consequência da mensagem recebida, uma atitude de predisposição favorável à compra (comportamento) ou à aceitação (atitude). Na sua obra "La Logica Dello Sponsor", Paolo Girone-Beppe Zigoni é peremptório: "O objectivo da publicidade consiste em criar uma imagem de marca, em provocar uma atitude positiva do consumidor em relação ao produto, convencendo-o para que mude ou melhore a sua opinião (comunicação com palavras). A finalidade da promoção consiste, em suma, em influir sobre o comportamento do consumidor para obter uma resposta concreta e imediata (comunicação com factos)": a compra do produto.
A publicidade manipuladora não caiu do céu de pará-quedas, como alguns tagarelas da filosofia supõem. As condições sociais que tornaram a publicidade possível e nas quais se efectua o consumo podem ser reduzidas a duas: A publicidade só pode existir numa sociedade em que, pelo menos, um segmento da população viva acima do nível de subsistência. Quando a sociedade atinge este nível de desenvolvimento, em que a maior parte da população vive acima do nível da mera subsistência, como só pode suceder no capitalismo na sua etapa da "era do consumo em massa" (W.W. Rostow), a publicidade torna-se inevitável e extremamente persuasiva, porque os produtores de bens materialmente inúteis, supérfluos ou desnecessários, precisam convencer as pessoas a adquiri-los. Além disso, é necessário criar um mercado alargado e os meios de comunicação necessários para chegar até ao mercado. Embora tenha surgido no século XVIII, pelo menos nos países mais desenvolvidos, como a Grã-Bretanha, a publicidade de proclamação só se expandiu no final do século XIX, embora a publicidade dos nossos dias tenha emergido no inicio do século XX, quando se começou a produzir mercadorias em massa e o mercado de massas foi alcançado pelos meios de comunicação de massas, cuja fonte de renda mais importante é a própria publicidade. Como escreve Galbraith: "O facto de as necessidades poderem ser criadas pela publicidade, catalisadas pela técnica de vendas e formadas pelas manipulações discretas dos persuasores mostra que elas não são realmente muito urgentes. Um homem que sente fome não precisa nunca que lhe digam que necessita de comida. Se a sua inspiração é o apetite que sente, ele está imune à influência dos senhores Batten, Barton, Durstine & Osborn. Estes só são eficientes em relação aos indivíduos que já se afastaram tanto das necessidades físicas que não sabem mais do que necessitam. Só depois de atingir este estádio é que o homem fica aberto à persuasão".
Contudo, apesar da obra revolucionária de Thorstein Veblen sobre o consumo conspícuo alertar para novas realidades socio-económicas, os economistas, nomeadamente o autor d'A Grande Esperança do Século XX, Jean Fourastié, negligenciaram o papel da publicidade na criação de novas necessidades, conservando o chamado "mito da produção" e do progresso técnico como factor determinante da evolução económica contemporânea que, ao incrementar a produção, isto é, a produtividade do trabalho, aumentou o consumo e, por consequência, a possibilidade de escolha do consumidor e a modificação da própria estrutura da produção. Coube a John Kenneth Galbraith mostrar que as instituições da propaganda e do marketing não podem ser conciliadas com a noção de desejos determinados ou desejos espontâneos dos consumidores, porque a sua função primordial é "criar desejos, dar corpo a necessidades que não existiam antes": "Um produto novo precisa ser lançado com uma campanha publicitária adequada, visando despertar interesse por ele. O caminho para um aumento da produção deve ser preparado por meio de uma expansão adequada da verba despendida com a publicidade. As despesas com a fabricação de um produto não são mais importantes, na estratégia da moderna actividade empresarial, do que as despesas destinadas à criação de procura por esse produto". Isto significa que, à medida que uma sociedade se torna cada vez mais afluente, as necessidades são cada vez mais criadas pelo processo pelo qual são satisfeitas, ou seja, a produção de bens satisfaz as necessidades que o consumo desses bens cria ou que os produtores de bens sintetizam, aquilo que Galbraith chama o efeito-dependência. Steward Henderson Britt, um especialista em marketing, escreveu: "Outrora a economia defrontava-se com a questão: como produzir mercadorias; hoje, contudo, a questão é: como lançar as mercadorias no mercado e vendê-las".
No seio da economia marxista, Paul A. Baran & Paul M. Sweezy foram talvez os primeiros a tentar elaborar uma teoria económica da publicidade, destacando sobretudo a aliança entre a publicidade e os mass media na era do capitalismo monopolista, cuja tendência oligopolizante está presente no capitalismo neoliberal global que produziu a actual crise financeira. Reconhecendo o papel determinante da publicidade na economia capitalista, sobretudo ao nível do investimento, Baran & Sweezy tendem a encarar a publicidade como uma força que estimula o consumidor a comprar, através do reforço dos seus desejos e inclinações sociais e biológicos: "A exigência de não ficar atrás dos Joneses (keeping up with the Joneses), de conduzir o carro maior ou mais novo e de equipar a própria casa com os utensílios mais recentes não constitui um resultado imediato da publicidade; ela está determinada pelo «clima» social reinante. Contudo, a publicidade intensifica essas coerções sociais e facilita a satisfação". Os mass media, em especial os jornais, as revistas e a TV, dependem financeiramente da venda de espaço para anúncios publicitários, donde decorre necessariamente a exigência de planear os programas e seguir uma política editorial capazes de cativar e alargar as audiências. Ora, este desejo conjunto de alcançar e influenciar o maior público possível conduz à elaboração de "trabalhos plenamente medíocres", à produção de kitsch, à corrupção das qualidades daqueles cujos serviços e talentos são comprados e ao abuso das potencialidades humanas. Como instrumento extremamente subtil de exploração, a publicidade reforça a estrutura da ordem económica orientada para o mercado e o lucro, ao mesmo tempo que perpetua normas de comportamento conformistas que, medidas conforme os padrões racionais, são vazias e destrutivas. Baran & Sweezy concluem que a propaganda, isto é, a publicidade, constitui parte fundamental do modus operandi dos empreendimentos dedicados ao lucro, donde resulta que a sua eliminação implicaria necessariamente a eliminação do próprio capitalismo. Não admira que Alfred Marshall tenha distinguido entre publicidade "boa" e publicidade "má" ou entre publicidade "construtiva" e publicidade "conflituosa", recomendando as técnicas incluídas nos primeiros elementos destes pares de categorias, com o objectivo de proporcionar informações úteis sobre novos produtos e contribuir para "orientar a atenção das pessoas para oportunidades de compra ou de venda", das quais poderão fazer uso. (CONTINUA com o título "Teoria da Publicidade 2". E foi publicado aqui.)
J Francisco Saraiva de Sousa