domingo, 23 de setembro de 2007

Vidas Electrónicas

John A. Bargh & Katelyn Y.A. McKenna (2004) elaboraram uma teoria social da Internet que, ao contrário da perspectiva mais negativa de Mark Griffiths (2001) ou de Alvin Cooper et al. (1999), acentua os seus efeitos positivos sobre a vida social dos seus utilizadores, sobretudo daqueles cujas identidades são muito estigmatizadas, possibilitando-lhes revelar aspectos das suas vidas íntimas que encobrem na vida offline dos outros com quem convivem diariamente.

Para estas pessoas, a vida on-line é muito mais gratificante que a vida offline e, frequentemente, após terem revelado, no meio virtual, aspectos significativos dos seus «eus verdadeiros», tendem a integrá-los nas suas vidas reais.

Os portugueses, cujos comportamentos on-line estudo desde 2000, de um modo intensivo, não escapam à regra descoberta e, tal como os estrangeiros, usam frequentemente a Internet para revelar aspectos reais dos seus «eus reais» a outros que partilham desses mesmos aspectos e, deste modo, agirem em conformidade com as suas verdadeiras identidades.

Sherry Turkle (1997) interpretou esta tarefa de refazer as suas identidades no meio virtual, levando apenas em conta e sobrevalorizando a experiência dos MUDs (Multi-User Domains), como a emergência da oportunidade das pessoas expressarem múltiplas facetas da sua personalidade, muitas vezes inexploradas, de brincar com a sua identidade ou experimentar novas identidades, donde resulta que «a identidade de uma pessoa no computador é a soma da sua presença distribuída». «A prática vivida nas janelas é a dum eu descentrado que existe em muitos mundos e desempenha muitos papéis ao mesmo tempo», cabendo aos Muds «oferecerem-nos identidades paralelas, vidas paralelas». Aliando-se ao pós-modernismo, Turkle afirma mesmo que, nos mundos mediados pelo computador, «o eu é múltiplo, fluido e constituído em interacção com uma rede de máquinas».
Embora esta perspectiva capte as aspectos das identidades pós-modernas de muitos utilizadores da Internet, os nossos resultados não confirmam esta generalização. Com efeito, a nossa cyberpesquisa revelou que a maior parte dos utilizadores da Internet não perdeu a noção ou o senso que lhes permite distinguir entre realidade e fantasia e, neste aspecto, os portugueses tendem a exibir uma concepção bastante pragmática da Internet, visto que, com excepção de uns poucos que vivem a vida dentro do ecrã, preferem viver uma vida no ecrã, que encaram como uma nova arena que permite realizar as suas ficções que posteriormente são incorporadas no seu eu na vida quotidiana.

A comissão europeia diz que Portugal é o 3º país melhor classificado no ranking dos serviços electrónicos e, neste aspecto, cabe dizer que os homens utilizam mais a Internet do que as mulheres, cujos usos da Internet restringem-se a um mínimo de «aplicações». Este dado corrobora a nossa ideia de que os portugueses, mais os homens do que as mulheres, mais os jovens do que os mais velhos, integraram rápida e facilmente o computador e a Internet na sua vida quotidiana, sinal de que a Internet tem efeitos sobre a vida real e quotidiana das pessoas, quer ao nível das instituições públicas ou das empresas que melhoram assim a qualidade dos seus serviços e com menores custos e perdas desnecessárias de tempo, quer ao nível do entretenimento.
Se tentarmos clarificar melhor a distinção entre «vida no ecrã» e «vida dentro do ecrã», chegaremos à noção de que existem duas maneiras dos utilizadores se relacionarem com o computador e a Internet: uns usam estas novas tecnologias para enriquecer a sua vida real e o seu eu, enquanto outros se deixam aprisionar na rede, sacrificando a sua vida real às satisfações momentâneas obtidas dos usos compulsivos da Internet. Confrontamo-nos novamente com a concepção dual da Internet (a imagem de Jano): um lado positivo e claro, outro lado negativo e escuro, e a «escolha» de uma das vias em detrimento da outra depende muito do perfil psicológico do utilizador.
Já realizei um cyberestudo sobre os usos sexuais da Internet que foi editado neste blogue, numa versão incompleta, com o título geral «Gay Sex on the Internet», onde apresentei alguns conceitos fundamentais que orientam a nossa abordagem teórica da Internet. Neste momento, é suficiente destacar dois estilos de vida electrónica: uma vida electrónica autónoma e uma vida electrónica heterónoma. Estes conceitos serão posteriormente elaborados e trabalhados.


J Francisco Saraiva de Sousa

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