quarta-feira, 5 de setembro de 2007

GaySex on the Internet

A INTERNET E O SEU USO PELOS MACHOS HOMOSSEXUAIS PORTUGUESES: Um estudo qualitativo.



A Internet é frequentemente descrita em termos que implicam um espaço virtual ou ciberespaço (Adams, 1997). A Internet é um sistema ou rede de computadores interconectados de modo a criar uma matriz de troca de informação, através de Web sites (páginas estáticas ou interactivas), e-mail (mail electrónico) e IRCs (Internet relay chat room), produzindo um meio virtual. Este espaço é usado pelas pessoas como um lugar para congregação, comunicação e formação de comunidades virtuais (Reymers, 2002).
As estatísticas, pelo menos as divulgadas pelos diversos canais de televisão, referem que a palavra mais procurada na Internet é «sexo»: daqui resulta que os seus utentes consultam frequentemente os sites relacionados com o sexo. O mIRC e posteriormente o Windows Live Messenger são utilizados tendo em vista fundamentalmente o sexo. É um princípio bem estabelecido: os utentes que frequentam esses canais procuram algum tipo de actividade sexual. Este princípio não precisa ser demonstrado: é mais do que evidente e a Internet é, de resto, encarada como um meio para atingir esse objectivo. Como se verifica nesta conversa mantida com um op ou gestor de site, no dia 21 de Junho de 2002, às 03:52:03, iniciada por ele:

conheces-me?
acho que não... és novinho aqui?
não
então porque me cumprimentaste?
gostei do nome
e, como espero, observo...
ok
Sou o Pedro...
eu sou o André
teu nome não me é estranho...
é natural
há imensos
devemos ter teclado qd tinha outro nick
Igorin, talvez
nopes
nunca vi esse nick
Começo a ficar um pouco viciado nisto... hoje fiz directa
isso é mau
só teclo há cerca de 2 meses...
nem isso
pois
é natural então
como te defendes desta dependência?
ando há tempo suficiente para não depender disto
já sei que daqui raramente sai alguma coisa interessante
por isso normalmente só falo mesmo com os amigos
é verdade... as máscaras começaram a cair...
já notei isso
pois
enquanto fores carne fresca e não te tiverem comido
és o maior
e por detrás delas não há nada ninguém
«maior» duvido...
força de expressão
que idade tens?
32
ok
e tu?
27
Ok, Prazer em conhecer-te André!
igualmente
bye Acho que vou dormir
tb não devo tardar
dorme bem.

Desta breve troca de impressões impõem-se duas linhas de argumentos que se reforçam mutuamente:

1. Quando lhe pergunto como se defende da netdependência, ele responde que anda «há tempo suficiente para não depender disto», porque, segundo alega, «já sei que daqui raramente sai alguma coisa interessante. Por isso, normalmente só falo mesmo com os amigos. E acrescenta: «enquanto fores carne fresca e não te tiverem comido és o maior».
2. E eu, o investigador confirmo: «é verdade... as máscaras começaram a cair... (já notei isso) e, por detrás delas, não há nada — ninguém».
O uso dos canais cria dependência em si mesmo, ao mesmo tempo que facilita a conquista de novos parceiros sexuais.


BACKGROUND

Ao longo da história, os homens gay/bissexuais e as mulheres lésbicas têm criado os seus próprios lugares de encontro, bem como aumentado o pool de possíveis parceiros (Luria, Friedman & Rose, 1987; Tikkanen & Ross, 2003). Muitos destes lugares estavam e ainda estão situados nas grandes cidades. Diversos estudos revelaram que a Internet adquiriu um papel de destaque como lugar de encontro para os homens gay/bissexuais, as mulheres lésbicas/bissexuais e os transsexuais (Ross, Rosser, McCurdy & Feldman, 2007; Brown, Maycook & Burns, 2005; Ross, 2005; Kalichman, Cherry, Cain, Pope & Kalichman, 2005; Elford, Bolding, Davis, Sherr & Hart, 2004; Tikkanen & Ross, 2003; Heinz, Gu, Inuzuka & Zender, 2002; Bull, McFarlane & King, 2001; McKenna, Green & Smith, 2001; Griffiths, 2001; Elford, Bolding & Sherr, 2001; Cooper, Scherer, Bóies & Garden, 1999). Até certo ponto, a Internet parece ter substituído os bares gay como arenas primárias de encontros (Benotsch, Kalichman & Cage, 2002). O pool de potenciais parceiros sexuais é maior na Internet do que noutras arenas sociais (Benotsch et al., 2002; Tikkanen & Ross, 2003), e os homens gay/bissexuais e as mulheres lésbicas/bissexuais podem também encontrar informação sobre os lugares onde podem procurar potenciais parceiros sexuais no conforto das suas casas (Munt, Bassett & O’Riordan, 2002).
Existem poucos estudos do comportamento das mulheres lésbicas na Internet. Por um lado, sabemos mais sobre os hábitos de uso dos homens gay/bissexuais e, por outro, é geralmente assumido que os homens gay usam mais a Internet do que outros grupos ou mesmo do que as lésbicas (Baun-Harvey, 2003). Parece ser vulgar para os homens gay/bissexuais marcarem encontros sexuais reais com pessoas que conheceram na Internet (Benotsch et al., 2002; Lau, Kim, Lau & Tsiu, 2003; Tikkanen & Ross, 2003, 2000).
A Internet é actualmente um parceiro activo na criação de novos nichos e subculturas nos ecossistemas sociais e sexuais. Os homens gay/bissexuais portugueses fazem claramente um uso sexual da Internet, com o objectivo de procurar parceiros sexuais para encontros casuais. A Internet constitui, portanto, um oásis erótico, um «technological tearoom trade» ou «new sexual ecosystem», para os homens que fazem sexo com homens.
A Internet está repleta de canais e de páginas homossexuais, bem como de sites relacionados com actividades homossexuais, em particular comerciais, tanto nacionais como internacionais. O uso do computador foi integrado na rotina quotidiana dos homossexuais, por uma razão simples: possibilita, no espaço e no tempo, a conquista de novos parceiros sexuais, bem como a troca de informações relevantes para o seu estilo de vida sexualmente promíscuo.
O estudo da Internet não é nada simples. Contudo, nos últimos anos, têm surgido modelos de pesquisa interessantes, alguns dos quais com resultados deveras importantes. A imagem de Jano é a verdadeira representação da Internet: uma face positiva e uma face escura. Mas nenhuma delas, tomada isoladamente como modelo teórico, constitui uma boa via de acesso à compreensão dos usos, em particular sexuais, da Internet.

METODOLOGIA E PESQUISA (com muitas omissões)

Como pesquisador estabeleci contacto com diversos indivíduos virtuais e, para testar, marquei diversos encontros sexuais com aqueles que se mostraram mais interessados. Numa madrugada, marquei 5 encontros e todos eles compareceram. O encontro da manhã também compareceu e o da tarde também. Isto no primeiro dia que comecei a frequentar o # gayporto, sem levar em conta os encontros desejados, mas rejeitados, e reforçados pela troca de números de telemóveis ou de telefone e de e-mails. Um desses ocorreu de noite, passadas duas semanas e um pseudo-namoro ocorreu neste último fim-de-semana. Nove dos muitos potenciais encontros ocorreram: cinco imediatamente e 3 mais tarde, por razões de distância ou de dificuldade de deslocamento.
A prontidão e o comparecimento aos encontros mostra, só por si, que o uso sexual da Internet não se fica pelo virtual: a maior parte dos seus utentes deseja sexo real. O virtual transforma-se rapidamente em realidade, de resto incorporada no estilo de vida predominantemente promíscuo dos homossexuais masculinos. A Internet facilita e alarga o mercado homossexual e os seus utentes acabam por ser praticamente os mesmos que frequentam os «ambientes» em busca de novos parceiros sexuais.
Usamos a troca de papéis de género para termos acesso a outros utentes masculinos não-homossexuais, isto é, homens heterossexuais, ou femininos, isto é, mulheres lésbicas.
Até agora a nossa pesquisa interactiva tem estado mais ou menos restringida ao canal gayporto, embora outros canais tenham sido examinados, e só conta ainda com cerca de um mês de duração. Em termos teóricos, o modelo dos usos e gratificações pode ter alguma relevância neste tipo de pesquisa.
É difícil caracterizar a pesquisa realizada através da interacção mediada pelo computador. As interacções são sincrónicas e dialógicas: a troca de fotografias, o uso da web-cam ou mesmo do telefone tornam-na bastente mais «real». Chamar-lhe-emos pesquisa interactiva: fazendo-se passar por um utente, o pesquisador interage naturalmente com os outros utentes, como se estivesse a fazer o mesmo uso da Internet, direccionado para a conquista de parceiros sexuais. Ao marcar encontros, procura testar as intenções reais e os comportamentos reais dos outros, já no âmbito de uma pesquisa de terreno.

RESULTADOS (com muitas omissões)

TIPOS DE UTENTES. Diversas tipologias de diferentes tipos de utentes da Internet em relação à actividade sexual e/ou de relação online foram propostas (Cooper, 1998; Griffiths, 1999; Young, 1999). Com base num inquérito de 9177 utentes da Internet, Cooper, Putnam, Planchon & Bóies (1999) descobriram que 8% gasta 11 ou mais horas por semana envolvidos em propósitos sexuais online e elaboraram um modelo contínuo das pessoas que usam a Internet para propósitos sexuais. Este modelo destaca três tipos de utentes:

1. Os utentes recreativos (recreational users) são aqueles que acedem a material sexual online mais para propósitos de curiosidade ou de entretenimento e que são tipicamente vistos como não tendo quaisquer problemas associados com os seus comportamentos sexuais online.
2. Os utentes em risco (at-risk users) são aqueles que, se não fosse a acessibilidade da Internet, nunca desenvolveriam qualquer problema associado com os seus comportamentos sexuais online.
3. Os utentes compulsivos sexuais (sexual compulsive users) são aqueles que usam a Internet como um fórum para as suas actividades sexuais, dada a sua inclinação para a expressão sexual patológica.

Os frequentadores são de diversos tipos: temos os que são gays, os que dizem ser bissexuais, muitos dos quais casados ou com namoradas, diversos tipos de parafilia, os prostitutos e os bandidos ou assaltantes. A existência destes dois últimos tipos, sobretudo os últimos, cria uma certa insegurança e perigosidade nos encontros sexuais reais: assaltos, violência e facadas são frequentes.
Contudo, muitos dos frequentadores tornam-se amigos, após algum tipo de envolvimento sexual, e usam a Internet para trocar informações entre si: forma-se assim uma comunidade gay virtual que se actualiza diversas vezes em encontros reais entre amigos que vivem em locais distantes.
A natureza anónima da Internet atrai provavelmente um número significativo de pessoas cujas preferências sexuais se desviam da norma, bem como daquelas que desejam ocultar a sua actividade sexual, mesmo que seja mais normativa, como sucede com muitos homens heterossexuais casados que procuram relações extraconjugais online. Todas estas pessoas voltam-se para a Internet como meio de exploração dos seus auto-aspectos importantes e relevantes. Contudo, até mesmo na Internet, pode ser difícil para estas pessoas descobrir outras pessoas com interesses semelhantes e complementares, sobretudo quando estes são muito invulgares.
A Internet atrai frequentemente aquelas pessoas que podem ser estigmatizadas, excluídas ou punidas (incluindo a aplicação de sanções criminais, como sucede com os pedófilos), se os seus interesses sexuais forem conhecidos (McKenna, Green & Smith, 2001). A habilidade da Internet para transferir ficheiros (files) electrónicos de material erótico ou imagens Web-Cam pode simplesmente aumentar a sua atracção. Contudo, esta aparente protecção da legal oversight pode ser ilusória, dada a perícia electrónica da polícia ou de outras autoridades reguladoras. Mas nos casos que não envolvam criminalidade o Triple A Engine constitui um superfactor que leva as minorias eróticas a usar a Internet para expressar as suas sexualidades.

RELAÇÕES ONLINE. Griffiths (1999) distinguiu três tipos básicos de relações online em função do comportamento online actual:

1. As relações online virtuais (virtual online relationships) emvolvem pessoas que nunca se encontraram na vida real. Elas empenham-se geralmente em trocas de texto sexualmente explícito (sexually explicit text exchanges), mais propriamente em cibersexo, e podem trocar os papéis de género (swap gender roles). Embora possam ter parceiros na vida real, não se sentem como sendo infiéis. A relação é geralmente de curta duração.
2. As relações online de desenvolvimento (developmental online relationships) envolvem pessoas que se conhecem online mas que desejam eventualmente deslocar a relação do nível online para o nível offline, após se tornarem emocionalmente íntimas. A partilha de compromisso e de intimidade emocionais leva frequentemente ao cibersexo e/ou a um forte desejo de comunicar constantemente na Internet. A relação é geralmente duradoira e resistente.
3. As relações online de manutenção (maintaining online relationships) envolvem pessoas que se conheceram primeiramente na vida real (offline) mas que prosseguem e conservam online a sua relação na maior parte do tempo, devido geralmente ao facto de estarem geograficamente distantes. A relação pode ou não ser de longa duração, dependendo do nível de compromisso e de intimidade emocional.

Em relação à adição, somente o primeiro tipo pode ser adito à Internet.

PADRÕES TEMPORAIS. Com excepção dos frequentadores completamente viciados, verifica-se a existência de um padrão temporal diferenciado. De modo simplificado: o horário diurno tende a ser usado por indivíduos mais jovens que o horário nocturno e, à medida que se avança pela madrugada, o grupo estabiliza-se. Há, pois, uma clivagem entre grupos etários: os mais jovens preferem os mais jovens, a menos que sejam prostitutos ou «oportunistas», e os mais velhos, apesar de preferirem indivíduos mais novos, estão praticamente condenados a teclar entre si, a menos que mintam quanto ao seu perfil físico e etário.

ESTRATÉGIAS DE SEDUÇÃO. Dado que a maior parte dos contactos visam um encontro sexual, os utentes servem-se de diversas estratégias para seduzir um potencial parceiro sexual.
A mentira é muito frequente e causa algumas dificuldades nos encontros sexuais, constituindo talvez a causa principal da sua não concretização: os parceiros virtuais nem sempre são aquilo que disseram ser, em termos físicos, de idade ou mesmo de preferências sexuais.
A Internet produz nos seus utentes uma sensação de controlo que, numa interacção online como outros, nem sempre é «real» ou, pelo menos, convincente. Quando o utente se julga todo-poderoso, sem mostrar indicadores disso, ele está a fechar-se num casulo do qual dificilmente se libertará. Aquilo que pretendia inicialmente deixa-o perdido sozinho no ciberespaço: a sua auto-imagem não convence os outros. Alguns que fazem ginásio para realçar os seus músculos tornam-se, como se diz no meio gay português, demasiado «barbies» e, como se julgam demasiado atractivos, exibem fotos cuidadosas e tornam-se selectivos.

INTIMIDADE. Apesar da virtualidade da comunicação, de resto superada pela troca de fotografias ou de imagens pela Web-cam, os «amigos» virtuais adquirem algum tipo de «intimidade» entre si, mesmo que não tenham contacto face a face ou cibersexual. Por detrás de um nick ou de uma máscara, revela-se efectivamente uma subjectividade. Há informações que são omitidas ou ocultadas; no entanto, ocorrem confidências que ajudam a definir o perfil psicológico e social do indivíduo virtual. Aliás, muitos deles começam a depender uns dos outros: surgem assim ligações preferenciais e virtuais (listas), que muitas vezes levam à «paixão», podendo iniciar-se um namoro virtual, reforçado pela troca de fotos, mensagens, imagens e e-mails, bem como pelo cibersexo e sexphone. Algumas delas resistem, pelo menos durante algum tempo, ao encontro face a face, outras desvanecem-se no ar, devido sobretudo a determinadas incongruências, a omissões fatais ou incompatibilidades sexuais.

SEX USE. Enfim, embora tenha muitos outros usos, mas todos eles relacionados com o sexo, a Internet é predominantemente usada pelos homossexuais com o objectivo de conquistar novos parceiros sexuais e concretizar encontros sexuais. Chamaremos a esta função sex-use. Aliás, quando se liga a outro em privado as questões mais frequentes e imediatas são: Donde teclas?, Que idade tens?, Que procuras? e Como és? A primeira questão é colocada de imediato para obter a informação da possibilidade de um encontro quase imediato: não vale a pena teclar com outros muito distantes. As outras questões visam obter informações sobre a atractividade ou não do outro. A idade é o primeiro indicador: se a idade não interessar, desliga-se ou interrompe-se a comunicação. Daí mentir regularmente quanto à idade. Se interessar, continua-se a troca de informações e, se ambos ou uma das partes não estiver convencida, pede-se a troca de fotografias e, no extremo, o uso da Web-Cam.
A Internet está muito associada à actividade sexual. Esta utilização sexual da net inclui evidentemente a pornografia convencional e não só. Há também pornographic picture libraries (commercial and free-acccess), vídeos and vídeo clips, live strip-shows, live sex shows and voyeuristic Web-Cam sites (Griffiths, 2000).
Uma troca de email ou um encontro num chat room podem escalar para um cyberaffair intenso e apaixonado e eventualmente conduzir a encontros sexuais reais. Uma relação online ou cyberaffair pode ser definida como uma relação sexual e/ou romântica que é iniciada via contacto online e mantida predominantemente através de conversações electrónicas que ocorrem através de e-mail e em comunidades virtuais, tais como chat rooms, interactive games, newsgroups e sobretudo Windows Live Messenger (Young et al., 2000). Estas relações online convertem-se frequentemente em diálogos eróticos mútuos: aquilo a que se chama cibersexo. Este envolve utentes online que trocam entre si textos baseados em fantasias sexuais, frequentemente acompanhados por masturbação.
O conceito de cibersexo tem sido definido de diversas maneiras. Blair (1998) usa-o para designar as interacções eróticas através de ciberdiscursos e aponta as suas limitações sensoriais. O discurso sexual da Internet pode ser combinado com auto-estimulação ou converter-se numa relação física offline. As offline physical coupling são, em muitos casos, antecedidas por trocas online e muitos casais ou pares conheceram-se e assumiram relações em real-time como resultado de encontros sexuais online.
A Internet oferece aos seus utentes três possibilidades: embelezamento das circunstâncias do mundo real, criação de um cenário de pura fantasia e computer sex, onde cada parte descreve online o que gostaria que a outra parte fizesse consigo até alcançarem o orgasmo.
Existe um número de factores que tornam os contactos online potencialmente sedutores e/ou aditivos. Tais factores incluem a desinibição e a natureza anónima da Internet. Isto pode ser verdadeiramente excitante para os netutentes que se comprometem ou se envolvem num online affair. Os utentes online parecem abrir-se mais rapidamente online e revelar-se emocionalmente mais facilmente do que no mundo offline. A percepção de confiança, intimidade e aceitação tem o efeito potencial de encorajar os utentes online a usar estas relações virtuais como uma fonte primária de companhia, de conforto ou mesmo de gratificação erótica. Cooper (1998) sugeriu que existem três factores primários que facilitam o fomento da sexualidade online: accessibility, affordability e anonymity, denominados o Triple A Engine.

· Accessibility: existem milhares de sites disponíveis 24 horas por dia e 7 dias por semana.
· Affordability: a competição na Web mantém os preços/custos baixos e existem muitas maneiras de aceder de graça ao sexo.
· Anonymity: as pessoas julgam ou percebem as suas comunicações como sendo anónimas, o que parece incrementar um sentido de controlo sobre as situações.

Uma variante do Triple A Engine foi elaborada por Young (1999) e denominada ACE model: anonymity, convenience e escape. Mas nenhum destes modelos explica cabalmente o processo de desenvolvimento de relações online, embora forneçam as variáveis ou os factores envolvidos na aquisição, desenvolvimento e manutenção das relações emocionais e/ou sexuais na Internet. Os meios virtuais parecem ter a capacidade de fornecer conforto, excitação e/ou distracção a curto prazo.

ENCONTROS SEXUAIS. O que procuram não é tanto amigos com quem «conversar» mas fundamentalmente parceiros sexuais para encontros sexuais imediatos ou marcados a breve prazo. Até mesmo as distâncias podem ser superadas, desde que haja acordo entre as partes envolvidas: o virtual converte-se facilmente em real. É certo que o uso da Web-cam pode possibilitar, ou melhor, facilita o sexo virtual, mas mesmo quando isso ocorre não é de descartar a possibilidade de um encontro sexual face a face.
Esta necessidade de marcar um encontro real mostra que as pessoas online revelam uma adição sexual anterior ao uso do computador: a Internet é utilizada para aumentar o pool de potenciais parceiros sexuais.

INFIDELIDADES ONLINE. Existem homens, sobretudo heterossexuais casados, e algumas mulheres que usam a Internet para fazer cibersexo e frequentemente marcar encontros sexuais reais. As traições online podem levar a traições offline e, deste modo, ameaçar a estabilidade da vida conjugal.
Existem casais gay e heterossexuais que usam a Internet para procurar um terceiro elemento, tendo em vista alguma forma de sexo grupal. Nestes casos, não podemos talvez falar de infidelidade, porquanto ambas as partes chegaram a um acordo. No entanto, as relações reais podem trazer problemas ao casal e desencadear cenas de ciúme ou mesmo de agressões.


INTERNET SEX ADDICTION. Quanto aos seus frequentadores, constata-se facilmente que estão, uns mais que outros, viciados, ou melhor, desenvolveram uma forte net-sexo-dependência. Este conceito implica a sobreposição de duas dependências: a dependência sexual e a dependência da Internet. Com poucas excepções, provavelmente daqueles utentes mais novos já criados na era da Internet, a dependência sexual facilita e reforça a dependência da Internet: quer dizer que os utentes com determinados tipos de perturbações de comportamento, tais como a compulsividade sexual, estão logo à partida mais predispostos para a dependência da Internet, embora a utilização e a frequência de canais seja, só por si, capaz de criar dependência.
As adições tecnológicas são adições não-químicas, portanto comportamentais, que envolvem uma interacção excessiva entre máquina e o humano. Podem ser passivas (televisão) ou activas (computer games) e geralmente contêm características indutoras e reforçadoras que podem promover as tendências aditivas (Griffiths, 1995). Incluem também muitas componentes da adição, tais como salience, mood modification, tolerance, withdrawal, conflict e relapse (Griffiths, 1996). O comportamento de uso da Internet que obedeça a estes critérios pode ser operacionalmente definido como adição.

· A salience ocorre quando o Internet sex se torna a mais importante actividade na vida de uma pessoa e domina os seus pensamentos (preocupações e distorções cognitivas), sentimentos (craving) e comportamentos (deterioração do comportamento social).
· A modificação de humor refere-se às experiências subjectivas que as pessoas relatam como uma consequência do envolvimento em Internet sex e pode ser vista como uma coping strategy.
· A tolerância é o processo pelo qual quantidades crescentes de Internet sex são exigidas para atingir os efeitos de modificação de humor desejados.
· Os sintomas de withdrawal (abstinência) são os estados de sentimentos desagradáveis e/ou os efeitos físicos que ocorrem quando o Internet sex é descontínuo (interrompido) ou subitamente reduzido.
· O conflito refere-se aos conflitos entre o utente da Internet e aqueles que o rodeiam (conflito interpessoal), conflitos com outras actividades (emprego, vida social, hobbies e interesses) ou conflitos interiores (conflito intrapsíquico e/ou sentimento de perda de controle), os quais estão relacionados com o dispêndio de muito tempo no Internet sex.
· A reincidência ou recidiva é a tendência para repetir novamente padrões de Internet sex, após vários anos ou meses de abstinência ou controle, restaurando-os e provavelmente em doses excessivas.

Young (1999) considera que a Internet addiction pode ser melhor categorizada por cinco subtipos específicos:

· Adição cibersexual (cybersexual addiction), envolvendo tipicamente o uso compulsivo de websites adultos para cibersexo e ciberporn.
· Cyber-relationship addiction, envolvendo tipicamente o sobre-envolvimento em relações online.
· Net compulsions, envolvendo tipicamente actividades obsessiva/compulsivas, tais como online gambling, shopping, day-trading, etc.
· Information overload, envolvendo tipicamente navegação compulsiva na web ou pesquisa de database.
· Computer addiction, envolvendo tipicamente obsessive computer game playing on games, tais como Doom, Myst, Solitaire, etc.

Destas categorias de adição da Internet, apenas a adição cibersexual e a adição de relações online são adições sexuais.
Existem efectivamente indivíduos que manifestam algum tipo de adição relacionada com o uso sexual da Internet, mas são muito raros aqueles que perderam ou perdem o controle sobre os seus comportamentos, ficando perdidos e sozinhos num meio virtual. Estes poucos casos, observados sobretudo em homens gay, obedecem, pelo menos, a três critérios da adição:

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES. Embora a Internet traga consigo a possibilidade de enriquecer um indivíduo com muitas informações, os seus utentes podem eventualmente desenvolver uma dependência sexual da Internet ou, pelo menos, uma Internet addiction. Aliás, os utentes sexualmente dependentes da Internet já eram ou são dependentes do sexo (compulsão sexual): a Internet possibilita-lhes mais sexo virtual, com maior número de parceiros sexuais, que tende a converter-se em sexo real, quando tudo funciona bem.

Contrariamente ao netpessimismo expresso por A. Cooper, consideramos que a Internet tem duas faces como o deus Jano (Barak, 1995): uma face escura e outra face positiva. Na amostra de homens estudados, o seu aspecto negro foi menos relevante do que o seu aspecto positivo. A maioria usa a Internet para expressar o seu «verdadeiro self» ou alguns dos seus aspectos que conservam escondidos durante a sua vida diária à sombra de um «self carpaça» (Rogers, 1986).

A minha pesquisa interactiva mostrou claramente que a Internet permite uma melhor expressão da identidade, sobretudo daqueles utentes que são socialmente marginalizados e excluídos, como sucede com os homens homossexuais e bissexuais e com os homens heterossexuais sexualmente compulsivos, infiéis compulsivos ou que tenham alguma preferência parafilíca. Os excluídos tendem depois da online selfdisclosure a tornar efectiva essa identidade assumida no meio virtual. Aliás, qualquer pessoa sente e sabe que o seu «verdadeiro self» é melhor expresso online do que offline, devido aos Triple A Engine: accessibility, affordability and anonymity.

A não-aceitação plena da homossexualidade é um fenómeno irracional e terrível: os homossexuais passam a maior parte do seu tempo escondidos e a ser interpelados como se fossem heterossexuais. Esta interpelação é frequentemente feita por mulheres heterossexuais em busca de sexo ou de acasalamento acaba por ser um tipo exagerado e cruel de assédio sexual e gera necessariamente stress e ansiedade nos homens homossexuais. Além de serem clandestinos numa sociedade heterosexista, os homens gay têm de lidar com as investidas eróticas e amorosas femininas que amordaçam a seu eu mais verdadeiro. Ora, a Internet possibilita a desmarginalização do gay self, que, pelo menos no meio virtual, quando assediado, pode simplesmente bloquear o endereço do abusador. A Internet quebra muros, elimina barreiras e ajuda a destruir preconceitos sexuais: este seu aspecto é extremamente positivo, porquanto liberta a diferença. Na Internet ninguém precisa fingir ser aquilo que não é efectivamente. Não é necessário mentir ou encobrir.

Embora possam ser insultados verbalmente online ou via telefone por homens heterossexuais, os homens gay podem interagir mais genuína e substancialmente com eles, sem temer consequências negativas. Há homens heterossexuais que trocam e-mails com homens homossexuais, com o objectivo de criar amizades online, porque na Internet podem comunicar com homens gay sem serem condenados socialmente. Muitos revelam interesse em explorar novos prazeres e podem envolver-se em cibersexo homossexual. De facto, nas interacções online, os homens heterossexuais são muito menos preconceituosos e, por isso, mais abertos a outras possibilidades sexuais. Alguns fazem cibersexo com homossexuais, não porque estes tenham simulado uma personagem feminina online, o que acontece regularmente (e nós usamos esse procedimento para «seduzir» homens heterossexuais), mas porque, eles próprios durante as interacções online, mostraram interesse em experimentar novas formas de prazer sexual. «Open mind» é o termo mais frequente para referir a intenção de explorar novas sexualidades.

Com excepção de uns poucos casos, o self online ou cibereu (cyberself) não é necessariamente um self alienado ou compulsivo: ele está consciente do mundo real e sabe discriminar entre realidade e fantasia. Pelo menos, os homens com quem teclámos mostraram o desejo de transferir o cyberaffair online para a vida real, quase logo desde o início, através da troca de números de telefone ou da marcação de encontros reais, e, ao nível de todo o território nacional, as distâncias não funcionavam como barreiras, porquanto podem ser ultrapassadas mediante o uso do automóvel.

A diferença mais significativa que observámos entre homens homossexuais/bissexuais e heterossexuais foi o facto dos segundos serem muito mais sociáveis, mais prontos a arcar com as despesas, mais interessados em possíveis compromissos offline, mais atractivos em termos de conversação, mais capazes de assumir responsabilidades, mais independentes e muito mais seguros do que os primeiros, que, além de serem monótonos, são muito inseguros.

Comparados com as mulheres heterossexuais e lésbicas/bissexuais, os homens são extremamente atraídos por um discurso online erótico, prolongado e muito intenso. Este discurso online é capaz de os excitar sexualmente e levá-los a desejar fazer sexo via Web-cam, sexphone ou simplesmente cibersexo, acompanhado de masturbação. Apenas os homens homossexuais hiperefeminados e absolutamente passivos são refractários a esta estratégia de sedução, porquanto não revelam qualquer interesse no seu próprio pénis. Neste aspecto, bem como noutras características, são sexualmente atípicos: exibem um padrão de comportamento similar ao das mulheres. Muitos homens heterossexuais, sobretudo já durante a madrugada, são receptivos a ligar a web-cam, mesmo que unilateralmente, e a fazer exibições fálicas online, acompanhadas de masturbação, com pessoas homossexuais.

Ao contrário das nossas expectativas, os homens heterossexuais enviam imagens dos seus pénis erectos e ligam mais facilmente a Web-cam para se masturbarem do que os homens homossexuais. Paradoxalmente, eles são muito atraídos por estímulos sexuais subliminarmente masculinos e ficam muito excitados sexualmente por um discurso erótico que, apesar de ser simuladamente escrito por uma pessoa feminina, deixa transparecer claramente interesses masculinos. Este aspecto pode ajudar a compreender porque razão muitos homens heterossexuais acabem por gostar de teclar com homens gay e fazer cibersexo com eles, pelo menos uma sessão de masturbação com assistência, via Web-cam. Mas a obsessão pelo tamanho do pénis é sobretudo homossexual: ao contrário dos homens gay, os homens heterossexuais mostram-se sempre satisfeitos com o tamanho do seu pénis, realçando mais o aspecto funcional («ele trabalha bem») do que morfológico, supondo provavelmente que as mulheres não ligam muito a essa característica. Apesar disso, quando instigados a descrevê-lo, ou o mostram logo ou dizem que é «XL», isto é, «grandinho e grosso» (De Sousa, 2006). Os mais «divertidos» respondem que «o preservativo o aperta muito», «rompe-se facilmente» ou então «a minha ex-namorada dizia que era como os negros», outros modos de dizer que é de grande tamanho.

LIMITAÇÕES. Um estudo interactivo online desta natureza apresenta provavelmente uma limitação: o investigador usa diversos perfis e papéis de modo a seduzir as pessoas online, com as quais comunica regularmente, durante horas, dia após dia, sem perder o controle, porquanto o seu papel é simulado. A simulação é a produção de uma pessoa online coerente e segura, capaz de seduzir e cativar outras pessoas online, de modo a desencadear nelas sentimentos e estados sexuais e de paixão, recorrendo a diversos procedimentos, tais como escrita sedutora, ícones expressivos, muitos deles de índole sexual ou mesmo erótica e pornográfica, e fotografias, umas reais, outras fictícias.
Eticamente, a identidade das pessoas online é e será sempre salvaguardada. Afirmar que foram manipuladas não é completamente sério, porquanto a pessoa online que investigava comportamentos online lhes proporcionou bons momentos de gratificação sexual e emocional, através dos seus discursos eróticos, quase sempre não interferindo ou mesmo ajudando a elevar a sua auto-estima pessoal.

(Esta é uma versão fragmentária e incompleta de um estudo em vias de publicação.)

J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

Nuno Simões disse...

caro f
muito importante o seu estudo
sinto-me honrado por poder fazer parte dele, dada a minha adição.
agora estou num período de abstinência
deduzo que pela interpretação que faço dessa pesquisa voltarei ao "ataque"lol
um abraço
mrsimmon

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Obrigado pelo seu comentário e sua inteligência. Por questões bioéticas, não posso afirmar que faça parte da amostra deste cyberestudo. Quanto à adição, espero que a saiba ultrapassar. Abraço.