À memória da minha mãe, Celeste dos Anjos Saraiva de Sousa
À memória do meu orientador de doutoramento, Professor Doutor Custódio Rodrigues
O estudo de sócio-ecologia dos comportamentos dos homens homossexuais confronta-se com um único problema, o qual orienta toda a existência do homem e até mesmo da mulher homossexuais: Como e onde procurar novos parceiros sexuais? Os próprios indivíduos homossexuais têm, de certo modo, consciência desse problema, porquanto são os primeiros a elaborar e divulgar roteiros gay, que fornecem informação pormenorizada sobre os chamados «lugares de engate». Este facto revela que a possibilidade de haver um encontro sexual constitui uma característica estável e normal da interacção que ocorre onde quer que se reunam os homens homossexuais, quaisquer que sejam o lugar, o momento, a cidade, o país e as pessoas. Em grande medida, a vida do homem homossexual «activo» gira em torno desses lugares públicos, aos quais chamámos na peugada de Delph (1978) «oásis erótico», uma vez que vive em constante busca de novos parceiros sexuais. Todos os indivíduos observados ao longo do tempo, independentemente de serem homens ou mulheres, homossexuais ou pseudo-heterossexuais ou de terem relações estáveis ou não, exibem em maior ou menor grau comportamentos sexualmente promíscuos. Este facto é incontornável e pode ser evidenciado mediante a explicitação da estrutura e da dinâmica da comunidade gay portuguesa.
Os resultados deste estudo intensivo de campo são congruentes com os resultados obtidos por diversos estudos que usaram uma metodologia idêntica, em particular os estudos de Hooker (1967), Hoffman (1970), Humphreys (1970) e Delph (1978).
Na apresentação sucinta dos resultados deste estudo lançámos novos conceitos, nomeadamente os de banalização, ubiquidade e efeito homossexuais, com o objectivo de mostrar que as estimativas apresentadas substimam a incidência de comportamento homossexual na população portuguesa. As noites portuguesas fervilham de actividades homossexuais que ocorrem nos mais diversos lugares e circuitos que constituem o oásis erótico gay português, levando-nos a estimar que muito mais de 10% da população portuguesa exibe frequentemente comportamentos homossexuais. Aliás, quando integram os bissexuais na sua comunidade, os próprios homossexuais reconhecem que eles também são predominantemente homossexuais não-assumidos, com os quais fazem sexo regularmente.
O conceito de oásis erótico, forjado por Delph (1978) e usado para designar um lugar considerado física e socialmente seguro, em função dos padrões definidos pela subcultura gay, de ameaças exteriores, onde os seus frequentadores se reúnem para estabelecer interacções sexuais mutuamente desejadas, pode incluir tanto lugares públicos como lugares privados. Alguns desses lugares são negócios comercialmente explorados, tais como saunas, ginásios, sexy-shops, restaurantes, unidades hoteleiras, parques de campismo, bares e discotecas homossexuais, enquanto outros são lugares cooptados ou usurpados pelos homens homossexuais, para propósitos sexuais, tais como sanitários, parques públicos, praias, praças, avenidas, ruas, estações de serviço, terminais rodoviários e ferroviários, descampados e matas e tantas outras áreas públicas. Estes lugares são, portanto, duas variantes básicas de oásis eróticos. Alguns oásis eróticos são lugares públicos usurpados para actividades sexuais. Outros são lugares subculturalmente designados para sexo e encorajam abertamente o sexo.
A aplicação deste conceito ao estudo da comunidade gay portuguesa foi feita com base na teoria matemática dos grafos, na sociometria e na própria perspectiva dos homossexuais portugueses. Como vimos no estudo dois, estes utilizam a palavra «ambientes» para designar os diversos lugares públicos que constituem o seu oásis erótico. Cada «ambiente» ou circuito tem os seus frequentadores habituais e, em função do tipo de lugar e das actividades que nele ocorrem e que são subculturalmente incentivadas, podemos traçar o perfil desses utentes habituais e definir o seu estilo de vida.
A estrutura conceptual mais adequada para captar a comunidade gay é a noção de rede (Elizabeth Both, 1976). Ao examinarmos de perto o ambiente imediato dos homens e das mulheres homossexuais, isto é, os seus relacionamentos reais externos com pessoas e lugares, constatámos a existência de dois padrões: 1) os relacionamentos sociais externos dos homossexuais e bissexuais assumem muito mais a forma de uma rede do que de um grupo organizado, e, embora os homens homossexuais pertençam muito mais a redes do que a grupos, 2) existem consideráveis variações na conectividade das suas redes. A conectividade ou intensidade indica a extensão em que as pessoas conhecidas por um indivíduo se conhecem e se encontram umas com as outras, independentemente do indivíduo. Destacam-se basicamente dois graus relativos de conectividade que não devem ser vistos como polaridades opostas: a rede de «malha estreita» que é usada para descrever uma rede na qual existem muitas relações diversificadas entre as unidades componentes, e a rede de «malha frouxa» que é usada para descrever uma rede na qual existem poucos relacionamentos deste tipo. Embora existam organizações gay em Portugal, elas têm pouco impacto e adesão na comunidade gay portuguesa, já que esta comunidade tende a ser uma rede virtual de lugares de engate e de potenciais parceiros e contactos sexuais.
Assim, um «ambiente» nada mais é do que um lugar público que propicia e incentiva encontros homossexuais e vários «ambientes» podem estar fortemente conectados entre si de modo a formar um circuito gay. Um circuito homossexual é um conjunto interligado de espaços e de fenómenos que se sucedem regular e periodicamente ou, mais precisamente, um conjunto de hábitos e de movimentos que caracteriza a rotina quotidiana de um grupo de homossexuais ou mesmo de um único homem homossexual. Há tantos circuitos homossexuais quantos os grupos ou tipos homossexuais, mas, regra geral, existem padrões que permitem tipificar os circuitos mais comuns, embora esses possam variar em função do tempo, do espaço e das «modas». Levando em conta apenas dois critérios – a assunção da homossexualidade e o tipo de convívio ou relações sociais estabelecidas, podemos distinguir dois tipos fundamentais de circuitos: os circuitos gay de sexo anónimo (CGSA), frequentados regularmente e predominantemente por homens homossexuais que tendem a não assumir-se como homossexuais e cujo objectivo exclusivo é a prática de actividades sexuais, em detrimento do convívio social, e os circuitos gay de convívio sócio-sexual (CGCS), frequentados regularmente por homens e mulheres homossexuais que se assumem como tais e que, além do sexo, estão envolvidos em encontros sociais.
Os roteiros tão difundidos na comunidade gay visam difundir o conhecimento desses lugares de engate, onde qualquer homossexual pode encontrar facilmente e sem dificuldades parceiros sexuais. Qualquer revista, nacional, internacional ou estrangeira, e site gay fornece esses roteiros, que são frequentemente transmitidos oralmente durante as breves conversações que ocorrem nos encontros sexuais. Em termos geográficos, a comunidade gay portuguesa pode ser reduzida a um roteiro nacional de «lugares de engate», que são regularmente frequentados pelos homossexuais em busca de parceiros e experiências sexuais e escolhidos em função dos seus interesses e perfil psicológico. Cada um adopta o seu roteiro, em função das suas necessidades, interesses e perfil psicológico.
Os homens homossexuais frequentam regularmente esses lugares, com o propósito de procurar novos parceiros sexuais. O que mais impressiona nas abordagens homossexuais é o facto da conversação ser mínima e das interacções estarem concebidas e baseadas na perseguição de objectivos individuais e não sociais, apesar de certos «ambientes» serem concebidos como espaços de convívio social. Assim, a comunicação é primordialmente de natureza não-verbal. Os homens homossexuais comunicam com os seus olhares, gestos, linguagem corporal e toques e, só posteriormente, ocorrem ocasionais e breves declarações verbais. Estas observações mostram que a rede gay tende a ser mais uma rede de contactos sexuais do que uma rede social e, que, à medida em que nos afastamos do circuito cafés/bares/discotecas, a rede tende a ser mais frouxa em termos de conectividade social.
Ao destacarmos o «convívio social», verificamos rapidamente que os circuitos que integram e interconectam cafés, bares e discotecas gay são os que possibilitam um maior convívio social entre os homossexuais e os seus frequentadores habituais tendem a optar por um estilo de vida mais homosocial e tendencialmente com menor número de episódios de «sexo anónimo». Embora se observe variação frequente de parceiros sexuais, esta tende a ocorrer com parceiros conhecidos ou amigos e as ligações que se estabelecem, breves ou prolongadas, são mais personalizadas. Os circuitos que ligam cafés, bares e discotecas gay são redes de malha estreita, frequentados assuiduamente por homossexuais hiperefeminados, emergentes e muitos masculinizados que assumem mais saudavelmente a sua identidade gay e que, nesses espaços, convivem mais estreitamente entre si e com outros grupos sócio-sexuais, tais como lésbicas, travestis, transgéneros e transexuais, bem como com muitos heterossexuais que frequentam os «ambientes». Embora se observem manifestações afectivas entre os seus utentes, as actividades sexuais não são incentivadas nestes lugares públicos, ficando pontualmente restringidas ou a «quartos escuros», quando existem, ou a espaços intersticiais, tais como os sanitários. São, pois, oásis eróticos mais discretos.
Ora, os restantes circuitos e os mais abundantes abrangem lugares nos quais as actividades sexuais são incentivadas, em detrimento do convívio social e, nestes lugares, observa-se fundamentalmente «sexo anónimo», com múltiplos parceiros consecutivos ou em simultâneo. Como dizem alguns homossexuais: os seus frequentadores são «homens de poucas falas e muito sexo» e, geralmente, não assumem abertamente a sua homossexualidade, alegando serem bissexuais. Estes circuitos de malha frouxa não são frequentados por mulheres lésbicas.
Pela frequência habitual destes dois tipos básicos de circuitos gay, podemos referir dois estilos de vida sexualmente promíscuos: um mais anónimo e predatório, centrado nos circuitos gay do sexo casual e anónimo, e outro mais personalizado, centrado nos circuitos gay de convívio sócio-sexual. No entanto, existem omnívoros de todos os circuitos gay: são os vagabundos sexuais, casados ou solteiros, que frequentam diariamente e em regime pós-laboral todos os lugares públicos de engate, visando apenas encontros casuais e anónimos.
Matematicamente, um circuito é um conjunto de pontos fixos interligados por vias preferenciais. Os pontos fixos correspondem aos lugares públicos frequentados assiduamente pelos homossexuais e as vias são os trajectos que os ligam. Se os pontos, num determinado período de tempo, permanecem fixos, os trajectos variam constantemente, em função das necessidades e dos interesses pessoais. Ora, o conhecimento aprofundado, minucioso e actualizado dos circuitos gay, constantemente actualizado pelos roteiros gay, impressos ou electrónicos, é fundamental para todo o homem homossexual que se auto-reduz à sua dimensão estritamente sexual, na medida em que possibilita e garante novos encontros sexuais. De certo modo, um circuito homossexual é, em grande medida, um percurso que um homossexual ou grupo de homossexuais percorre, noite após noite, à procura de novas aventuras sexuais. Se o homossexual iniciante não souber resistir às forças gravitacionais ou centrípetas dos circuitos gay, acabará por assimilar o «esquema gay» e, uma vez aí instalado, corre o risco de ser completamente absorvido pela rede gay. Neste último caso, toda a sua vida individual desvanece-se: a sua individualidade é eclipsada e anulada pelos «efeitos de manada» provenientes da rede. A rede homossexual é uma estrutura altamente ultracongelada e reificada: nela o indivíduo perde a sua individualidade e assume-se como mais uma peça da maquinaria homossexual. A rede homossexual tem, pois, um carácter totalitário: as individualidades são fragilizadas a favor da integração total. Os seus imperativos são superiores aos imperativos individuais, familiares, sociais, culturais, sentimentais ou mesmo profissionais. Reduzido a um instrumento sexual, o homossexual comporta-se como tal, deixando para trás todas as outras dimensões vitais e entregando-se exclusivamente — a tempo inteiro — à busca frenética de novos orgasmos, de preferência cada vez mais inusitados, estranhos e anónimos. Até mesmo aqueles homossexuais que procuram salvaguardar a sua autonomia, evitando contactos com membros da rede homossexual institucionalizada, denominada «ralé gay», não são geralmente bem sucedidos, uma vez que o esquema em que estão inseridos acaba por se cristalizar numa rede que é tão reificadora quanto a rede predominante que criticavam. As forças de inércia da rede são mais poderosas que as vontades individuais já, por si mesmas, fragilizadas pela apetência sexual incontrolável que os domina desde dentro. É, por isso, que alguns deles abandonam os seus empregos sempre que surge a oportunidade de novos encontros sexuais. Como ser unidimensional, o homossexual só vive para o sexo: o seu estilo de vida fetichista sexual é a consumação da reificação homossexual.
Os homossexuais reconhecem, sem disso se aperceberem completamente, que a uniformidade é mais real que a suposta diferença que ousam reclamar. Isto significa que praticamente todos os homossexuais observados, até mesmo os homossexuais activistas, partilham com os demais o mesmo esquema homossexual. Ora, este esquema mais não é que um conjunto de dispositivos e de conhecimentos que facilitam a procura frenética e compulsiva de novos orgasmos. É, portanto, em torno dessa procura de novos parceiros sexuais ou da sua possibilidade, que gira toda a vida do homossexual, ao ponto de podermos dizer que homossexualidade e promiscuidade sexual são praticamente a mesma coisa. Como vimos no estudo anterior, esta quase identificação é reconhecida pelos próprios homossexuais, que, além de serem fazedores de roteiros do prazer, elaboram «teorias» emic que visam justificar e legitimar o seu estilo de vida sexualmente promíscuo.
Se definirmos o estilo de vida como um conjunto de práticas que um indivíduo adopta para satisfazer as suas necessidades e dar forma a uma narrativa particular de auto-identidade, constatamos facilmente que o estilo de vida do homossexual típico consiste em frequentar determinados lugares públicos e usar sexualmente as novas tecnologias da informação e da comunicação, tais como telemóveis e a comunicação mediada por computador, para arranjar novos parceiros sexuais — um estilo de vida sexualmente promíscuo. Três noções emic, utilizadas pelos próprios homossexuais, definem sucintamente este estilo de vida: «esquemas» (busca de novos parceiros sexuais), circuitos (lugares de engate frequentados) e «rede» (complexo de relações que solidificam a rotina gay). Os esquemas, os circuitos e as redes favorecem a procura homossexual de novos orgasmos em determinados lugares públicos e, ao possibilitar a sua concretização, reforçam-se e estabilizam-se, mesmo que ocorram mudanças de lugares.
Ora, dado que os comportamentos sexualmente promíscuos são factores antropológicos na transmissão da Sida e doutras doenças sexualmente transmissíveis, torna-se evidente que todas essas estruturas comportamentais cristalizadas facilitam a sua transmissão e a sua expansão no seio da comunidade homossexual, bem como no seio da população heterossexual, uma vez que muitos pseudo-heterossexuais manifestam comportamentos homossexuais. Isto significa que os percursos homossexuais são virtualmente percursos da Sida e de outras doenças sexualmente transmissíveis (Binson et al., 2001, Griensven et al., 2004, Peterson et al., 2001, Mutchler, 2002, Westburg & Guindon, 2004, Betts, 2002, Jin et al., 2002, Vandentorren et al., 2001, Wilson et al., 2002, Eich-Höchli et al., 1998, Weinberg, Worth & Williams, 2001, Stueve et al., 2001, Pulerwitz et al., 2001, Suarez & Miller, 2001, Wislar & Fendrich, 2000, Dilger, 2003, Catania et al., 2001, Hogg et al., 1997, Dukers et al., 2000, Bauer & Welles, 2003, Morrow & Allsworth, 2000).
O ritmo de vida dos homossexuais é mais nocturno do que diurno e varia ao longo do ano, observando-se nas estações frias (Outono/Inverno) maior concentração e intensidade em lugares fechados e nas estações quentes (Primavera/Verão), em lugares abertos, tais como as praias e parques de campismo. Esta mudança de ritmo anual tende a estar marcada pelas férias, que possibilitam uma deslocação dos espaços conhecidos para espaços desconhecidos. Com efeito, quando um homossexual julga ter esgotado a lista de parceiros sexuais na sua área de residência e de trabalho, dado ter feito sexo com todos, ele tende a deslocar-se, diariamente ou em determinados dias da semana, de automóvel para outras zonas, próximas ou distantes, em busca de novos parceiros sexuais, e o período de férias que geralmente coincide com o mês de Agosto é aproveitado para fazer «turismo sexual», ou seja, para viajar para outros lugares desconhecidos onde possa encontrar novos parceiros sexuais.
Além dos circuitos gay intra-urbanos que variam em função do perfil dos homossexuais que os percorrem, em função do ambiente e das normas subculturais proporcionados pelos lugares públicos, em função da época do ano ou mesmo dos dias da semana e em função das novidades que entretanto vão surgindo no mercado da indústria de lazer, existem os circuitos gay inter-urbanos, que incluem deslocações para outras cidades de Portugal (roteiros de fins-de-semana) ou para outras cidades estrangeiras (roteiros turísticos internacionais). Os roteiros gay fornecem diversas informações úteis para os «turistas do sexo», como mostra «Spartacus: International Gay Guide», mas o fundamental das informações consiste numa «listagem» de «lugares de engate», cuja articulação configura o oásis erótico gay de cada país. Estes roteiros omitem os espaços residenciais e os espaços institucionais e de trabalho, embora dêem algumas indicações sobre unidades de saúde e monumentos. Estes são os circuitos gay de turismo sexual (CGTS).
Muitas ligações que se formam nesses lugares podem converter-se em uniões estáveis fechadas e, nestes casos, os casais homossexuais começam a afastar-se e a abster-se de frequentar os «ambientes», para evitar conflitos conjugais, a menos que optem consensualmente por uma solução aberta de casal. Apesar de existirem muitos casais gay cujas relações foram acompanhadas durante dezasseis anos de pesquisa, verificámos que um ou mesmo os dois membros não são fiéis, cometendo regularmente adultério ou diversos tipos de infidelidades, com múltiplos parceiros sexuais, e, em muitos casos, contagiando posteriormente o seu companheiro de vida ou parceiro sexual a longo prazo. O universo dos casais homossexuais pode ser perspectivado como uma espécie de fuga ao oásis erótico gay, mas isso não significa, segundo as nossas observações, ausência de comportamentos sexualmente promíscuos. Aliás, o sexo extraconjugal ajuda a explicar muita da violência doméstica observada e relatada pelos casais homossexuais masculinos e femininos (Kuehnle & Sullivan, 2003, Liu, 2003, Rohrbaugh, 2006, Pitt & Dolan-Soto, 2001, Pitt, 2000, Blair, Nelson & Coleman, 2001, Harrison & Esqueda, 2000, Smith & Gallo, 1999, Halpern et al., 2001, Markowitz, 2001, Saewyc et al., 1999, Garfield, 2004, Testa & Leonard, 2001, Phillips et al., 2001, Lucas et al., 2003).
Com o advento da sociedade de consumo (Baudrillard, 1991), sobretudo a partir da segunda metade dos anos 90, o nível de vida dos portugueses elevou-se de tal modo que a posse de carro particular se tornou um recurso que facilita o deslocamento para zonas mais distantes da área de residência ou de trabalho, abrindo mais possibilidades de conquista sexual. Este facto associado à introdução das novas tecnologias da informação e comunicação, em particular os telemóveis, o teletexto e a Internet, veio, conforme observámos durante a pesquisa interactiva (2000-2006), igualmente facilitar a procura de novos parceiros sexuais. Com a comunicação mediada por computador, o teletexto e a troca de números de telemóvel, os homossexuais já não precisam deslocar-se para encontrar parceiro sexual disponível: no seu espaço residencial ou no cibercafé ou mesmo no lugar de trabalho, basta ligar o computador e ter acesso à rede e, através do Widows Live Messenger, ver se algum dos seus amigos virtuais está online e afim de fazer sexo com ele, ou enviar uma mensagem para um dos amigos da sua «lista» íntima, a fazer-lhe uma proposta sexual. O encontro sexual ocorre ou na casa de um deles ou noutro lugar previamente combinado. Se nenhum dos dois estiver interessado em sair de casa, podem fazer «virtual sex» e/ou «sexphone», usando as respectivas webcams. Neste aspecto, no que se refere ao uso das novas tecnologias, os homossexuais são bons aprendizes e, ao contrário do que seria de esperar (Lippa, 2002, 2001), revelam elevado grau de instrumentalidade, um padrão sexual tipicamente masculino, mesmo que sejam do tipo efeminado. No que se refere ao uso das novas tecnologias da comunicação, sobretudo ao uso do computador e da Internet, observam-se diferenças de género: os homens são utilizadores mais assíduos e criativos do computador do que as mulheres e, quanto mais jovens são, mais peritos parecem ser (Mantovani, 2001, Pratarelli & Browne, 2002, Barak & Fisher, 1997, Dittmar, Long & Meek, 2004, Biber et al., 2002, Engelberg & Sjöberg, 2004, Talamo & Ligorio, 2001, Spink et al., 2004, Speepersad, 2004, Whitty, 2003, Chandler & Roberts-Young). Os homens homossexuais revelam ser bons cibernautas, especialmente atentos a todas as novidades tecnológicas que surgem e que integram rapidamente nas suas rotinas diárias e no seu «esquema» sexualmente promíscuo de vida. A comunidade gay online é sexualmente muito pragmática: os contactos virtuais tendem a converter-se em encontros sexuais reais. Isto significa que a Internet constitui um outro circuito de engate gay, que desconhece fronteiras e que, por isso, é global, como se verifica por exemplo no site GayDar, através do qual podemos entrar em vários chats estrangeiros e estabelecer contactos ou embarcar em chats mais específicos, em função das preferências sexuais pessoais.
Como vimos no estudo um, tal como sucede nos USA (Sender, 2001), os homens homossexuais portugueses investem bastante na sua formação pessoal e são muitos os que tiram um curso superior e seguem carreiras superiores, incluindo carreiras políticas, como autarcas ao nível regional ou como deputados. A atipicidade ocupacional que lhes é geralmente atribuída não é assim tão evidente, até porque muitos seguem carreiras tipicamente masculinas, tais como carreiras militares, policiais e como «seguranças». Estas carreiras desenrolam-se em espaços institucionais, aparentemente pouco favoráveis aos homossexuais. Para não falar nas prisões, espaços institucionais militares, policiais, políticos, empresariais, religiosos, hospitalares e educacionais, incluindo o ensino superior, empregam muitos homossexuais e, como onde há homossexuais há sexo, alguns desses espaços convertem-se em «lugares de engate», com os seus circuitos intra-institucionais, como constatámos abundantemente nas instituições religiosas. Contudo, estes circuitos intra-institucionais estão perfeitamente integrados na rede gay de contactos sexuais.
A abertura de grandes espaços comerciais, nomeadamente de centros comerciais e de hipermecados, diversificou e aumentou o número de «lugares de engate». Alguns espaços comerciais fecharam, mas, em seu lugar, abriram-se novos espaços. Apesar dessas mudanças observadas, em termos puramente formais, os circuitos gay continuam a ser topologicamente os mesmos. Podemos mesmo considerá-los como invariantes topológicos.
Ora, estudos prévios mostram que os homens são mais promíscuos do que as mulheres e que os homens homossexuais são mais promíscuos que os homens heterossexuais (Lauman et al., 1994).
Diversos estudos psicossociais e genéticos têm sido realizados para examinar as contribuições dos factores genéticos e ambientais para certos aspectos do comportamento sexual, tais como a idade da iniciação da actividade sexual e o envolvimento em actividade sexual com múltiplos parceiros.
Muitos estudos providenciam evidência para as influências ambientais sobre o comportamento sexual. Assim, as crianças oriundas de famílias divorciadas tornam-se sexualmente activas numa idade precoce e têm mais parceiros sexuais (Amato, 1996, Booth, Binkerhoff & White, 1984, Furstenberg & Teitler, 1994, Gabardi & Rosen, 1992, Glenn & Kramer, 1987). Variáveis estruturais familiares estão associadas com a idade do primeiro intercurso sexual: os adolescentes provenientes de famílias mono-parentais iniciam a sua actividade sexual em idades mais precoces (Miller & Moore, 1990). Níveis elevados de comportamento de monitorização parental foram associados com idade tardia da primeira relação sexual (Capaldi, Crosby & Stoolmille, 1996, Miller, McCoy, Olson & Wallace, 1986, Small & Luster, 1994). Estes jovens também tinham poucos parceiros sexuais (Rodgers, 1999). Níveis elevados de «self-reported parent-family connectedness» (Resnick et al., 1997) e níveis elevados auto-relatados de satisfação com as relações com as suas mães (Jaccard, Dittus & Gordon, 1998) foram associados com idade tardia da primeira relação sexual e com poucos parceiros sexuais. O uso de álcool e de drogas e a delinquência estão fortemente associados ao conjunto de actividade sexual precoce (Jessor & Jessor, 1977, Rosenbaum & Kandel, 1990, Whitbeck, Yoder, Hoyt & Conger, 1999, Yamaguchi & Kandel, 1987). Aspirações educacionais baixas e fraca ligação à escola foram associadas ao comportamento sexual precoce (Hayes, 1987, Lammers, Ireland, Resnick & Blum, 2000, Small & Luster, 1994).
A influência genética sobre a idade do primeiro intercurso sexual foi avaliada por alguns estudos de gémeos. Dunne et al. (1997) e Martin, Eaves & Eysenck (1977) mostraram que existe uma contribuição genética na determinação da idade do primeiro intercurso sexual. Usando dados do National Longitudinal Study of Youth, Rodgers, Rowe & Buster (1999) descobriram que as influências genéticas e ambientais não-partilhadas constituem importantes determinantes na idade do primeiro intercurso sexual nos pares de gémeos masculinos (male-male twin pairs). Miller et al. (1999) relataram que a variação alélica dos genes que codificam os receptores da dopamina pode desempenhar um papel importante na idade da primeira relação sexual. Hershberger (1994) estudou gémeos para examinar as influências genéticas sobre o envolvimento em actividade sexual com múltiplos parceiros, mas sem resultados geneticamente significativos. Usando os métodos da genética quantitativa, Michael J. Lyons et al. (2004) realizaram um estudo para avaliar o papel das influências genéticas e ambientais na idade da iniciação das primeiras relações sexuais e no envolvimento na actividade sexual com múltiplos parceiros (10 ou mais parceiros num ano), numa amostra de gémeos masculinos do Vietnam Era Twin Registry. Os resultados mostraram que os dois aspectos do comportamento sexual eram significativamente herdados e somente a idade do conjunto das relações sexuais era significativamente influenciada pelo meio partilhado pelos gémeos: a variação observada é significativamente atribuível a diferenças genéticas entre os indivíduos. Os efeitos genéticos aditivos reflectem as acções de um vasto número de genes, cada um com pequeno efeito, cujas influências se combinam de uma forma aditiva para produzir diferenças ao nível fenotípico. A iniciação precoce de relações sexuais estava associada com uma probabilidade elevada de ter múltiplos parceiros sexuais. Estes resultados são consistentes com estudos do comportamento sexual dos adolescentes que mostram que a socialização familiar (aprendizagem social) e os factores biológicos (maturação) influenciam significativamente a idade da primeira relação sexual nos rapazes (Capaldi et al., 1996, Crockett, Bingham, Chopak & Vicary, 1996, Halpern, Udry, Campbell & Suchindran, 1993, Udry & Billy, 1987).
As teorias biopsicológicas da promiscuidade sexual vacilam entre duas concepções (Gazzaniga, 1996): uma concepção recorre ao modelo químico do cérebro e das toxicodependências para definir a hipersexualidade como dependência/adição, a outra concepção socorre-se de outra variável da nossa personalidade, nomeadamente as compulsões, colocando a promiscuidade sexual num contexto POC (perturbação obsessivo-compulsiva), juntamente com o jogo patológico, embora as duas concepções não sejam incompatíveis. Aliás, o modelo comportamental apresentado na Figura XY (omitida) é um modelo saturado empiricamente pelos padrões observados, está em conformidade com as tendências combinadas das teorias emic e revela a promiscuidade sexual como adição. E, neste âmbito, destacam-se duas teorias biológicas da promiscuidade sexual: a hipótese do gene receptor da dopamina 4 e a hipótese da vasopressina e da oxitocina.
HIPÓTESE DO D4DR. O efeito Coolidge é o conceito usado para referir o interesse dos machos em diversos parceiros sexuais e está bem documentado nos humanos (Buss, 1994, 1989) e noutras espécies animais, tais como carneiros, ratos e chimpanzés. Este interesse masculino demostra três dos aspectos fundamentais das características genéticas: ocorre em diversas culturas e épocas, encontra-se nas outras espécies e revela variabilidade individual, todos eles utilizados por Eibl-Eibesfeldt (1983, 1977) para estudar os comportamentos hereditários humanos. O estudo genético deste efeito proveio do estudo da personalidade, especificamente a característica denominada procura de novidade, que significa encontrar prazer em experiências novas, variadas e intensas. Os estudos de Bogaert & Fisher (19) e de Zuckerman et al. (19) demonstraram que os grandes perseguidores de novidades satisfazem a sua necessidade de mudança e variedade com um grande número de parceiros sexuais. O seu registo contribui mais para prever o número de parceiros sexuais do que qualquer outro factor (beleza física, masculinidade, idade ou interesse geral pelo sexo). Isto significa que quanto mais um indivíduo perseguia novidades, mais parceiros tinha. Disseram ser óptimo fazer sexo com alguém que acabavam de conhecer, mesmo que não tivessem a certeza de gostar um do outro. Os perseguidores menos activos tinham mais probabilidades de se interessar pelo sexo apenas quando estavam muito apaixonados e, de preferência, casados. Os perseguidores de emoções viam o sexo como um «jogo», enquanto os que não procuravam emoções viam o sexo como uma expressão de compromisso emocional. Além disso, os perseguidores de emoções tinham uma extensão e variedade de actividades sexuais maior que a dos que menos interessados, em particular tinham mais probabilidades de usar sexo oral e posições sexuais menos habituais. No entanto, a ligação entre a busca de emoções e a voracidade sexual não é o impulso sexual, porquanto os perseguidores de emoções não se masturbavam mais do que os outros, mas tinham mais parceiros. Isto sugere que a busca de emoções se refere à forma como se faz sexo e a quem se procura para o fazer, não à frequência sexual.
Hamer et al. (19) mostraram que a busca de novidades é, em grande parte, determinada pelo gene receptor de dopamina 4, um activador do comportamento que existe em abundância no nucleus accumbens, e que existe uma correlação entre o gene D4DR e o número de parceiros sexuais. Nos homens heterossexuais, os grandes perseguidores de novidades têm a forma longa do gene D4DR, enquanto os pouco interessados em novidades têm a forma curta. Embora os primeiros tivessem um número ligeiramente superior de parceiros do que os segundos, a diferença não era estatisticamente significativa. Contudo, alguns homens heterossexuais tinham feito sexo com outro homem, geralmente apenas uma vez e quando eram novos e, neste aspecto do seu comportamento sexual, havia uma forte correlação com o gene D4DR. Com efeito, os grandes perseguidores de novidades com o gene longo tinham seis vezes mais probabilidades de ter feito sexo com outro homem do que os que tinham um gene curto. Cerca de metade dos inquiridos do gene longo já tinha feito sexo com um parceiro sexual masculino, em comparação com apenas 8% dos homens com o gene curto.
Nos homens homossexuais, verificava-se precisamente o contrário. Como seria de esperar, os homossexuais tinham mais parceiros sexuais masculinos do que os heterossexuais tinham parceiras femininas, provavelmente porque no mundo gay o efeito Coolidge é universal e o gene D4DR tinha o efeito esperado. Contudo, o seu efeito era muito mais forte para o número de parceiras femininas dos homens homossexuais. Os grandes perseguidores homossexuais de novidades, com a forma longa do gene, tinham feito sexocom cinco vezes mais mulheres do que aqueles que não procuravam novidades, com a forma curta do gene. Estes resultados mostram que o gene receptor da dopamina D4 influencia indirectamente o comportamento sexual masculino, mediante o comportamento de busca de novidades.
Como vimos, muitos homens homossexuais, sobretudo os encobertos, que fazem sexo com mulheres e são casados heterossexualmente e têm filhos, frequentam assiduamente os circuitos gay de sexo anónimo em busca de parceiros masculinos. É provável que o desejo de novas experiências desempenhe o seu papel neste comportamento, mas o facto de terem sexo com mulheres deve-se fundamentalmente a pressões familiares, profissionais e sociais. Certas carreiras profissionais são reguladas em conformidade com normas heterosexistas e algumas delas, como a carreira militar, policial ou política, exigem praticamente que os homens sejam casados. Os efeitos da dopamina D4 não podem ser dissociados destes factores sociais e, entre os homossexuais, estão certamente associados à variedade de experiências sexuais, prática de sexo arriscado, de sexo em grupo e de sexual bondage.
HIPÓTESE DA VASOPRESSINA E DA OXITOCINA. Apenas 3% dos mamíferos são monogâmicos, formando casais heterossexuais estáveis e selectivos que cooperam na criação dos filhos, e, apesar da diversidade de sistemas de acasalamento humano, o homem é predominantemente monogâmico. O rato selvagem do género Microtus tem sido utilizado para estudar o modo como a constituição genética e a química cerebral podem controlar os comportamentos sociais complexos, em particular a formação de casais (pair-bonding), cuidados parentais e protecção da fêmea (mate guarding) (Carter et al., 1995, Young, Wang & Insel, 1998).
Estes ratos são pequenos roedores semelhantes aos ratos do campo e, nos USA, existem pelo menos duas espécies estreitamente relacionadas – os ratos da pradaria (Microtus ochrogaster) e os ratos da montanha (Microtus montanus), que são muito utilizadas por serem muito diferentes no que respeita ao tipo de acasalamento. Os ratos da pradaria machos acasalam para toda a vida e lutam ferozmente contra os machos intrusos, enquanto os ratos da montanha são sexualmente promíscuos (Tabela omitida).
Insel et al. (1995) estudaram estes ratos e descobriram que as duas espécies apresentam diferenças no padrão de receptores de uma hormona péptidea, a vasopressina. Quando a vasopressina era bloqueada nos cérebros dos ratos da pradaria normalmente monogâmicos, eles acasalavam promiscuamente por toda a colónia e não defendiam as suas fêmeas dos outros machos. Além disso, quando um rato da pradaria macho vivia com uma fêmea, o seu cérebro produzia mais vasopressina que quando estava só. Estas mudanças não foram detectadas nos ratos da montanha, nem nas fêmeas de ambas as espécies. Estes resultados mostram que uma diferença genética entre as duas espécies produz uma diferença importante no comportamento de acasalamento, através da simples mudança da quantidade e distribuição da vasopressina (Tabela omitida).
Os ratos da pradaria formam casais após 24 h do acasalamento (Williams et al., 1992; Winslow et al., 1993a/b; Insel et al., 1995a/b). Os membros dos casais permanecem juntos e em contacto físico um com o outro e os machos exibem agressão contra intrusos de ambos os sexos. O acasalamento facilita a formação de preferência pelo parceiro em ambos os sexos, mas nas fêmeas a cohabitação com um macho ao longo de 24 h antes do acasalamento é suficiente para induzir a preferência pelo parceiro (Williams et al., 1992). O acasalamento parece ser mais importante para os machos formarem casal e desenvolver agressão contra intrusos (Insel et al., 1995).
Como é que o acasalamento facilita a formação de casais? A estimulação genital provoca libertação intracerebral de oxitocina (OT) nos machos e nas fêmeas de variadas espécies (Witt, 1995). A libertação de OT durante a estimulação vaginocervical induz comportamento maternal nos ratos e nas ovelhas e é importante para a ligação ovelha-carneiro. A libertação central de OT durante o acasalamento também parece facilitar a formação de pares nos ratos da pradaria. A infusão intracerebroventricular (ICV) de oxitocina induz rapidamente a formação de preferência de parceiro nas fêmeas dos ratos da pradaria na ausência de acasalamento (Williams et al., 1994; Insel & Hulihan, 1995; Cho et al., 1999), enquanto a infusão do antagonista da oxitocina (OTA) bloqueia a formação desta preferência mesmo depois de acasalamento prolongado (Insel & Hulihan, 1995). A OT e OTA podem ter efeitos similares sobre a formação de preferência de parceiro nos machos dos ratos da pradaria, mas o efeito nos machos parece depender da dose e do paradigma comportamental (Windlow et al., 1993; Cho et al., 1999).
A arginina vasopressina (AVP), uma molécula similar à oxitocina, também foi implicada na transição de solteiro ao estado de casado, mas enquanto a OT facilita preferencialmente a formação de casais nas fêmeas, a AVP facilita preferencialmente a formação de casais nos machos. A infusão ICV de AVP nos machos dos ratos da pradaria induz a preferência de parceiro e a agressão contra intrusos na ausência de acasalamento (Winslow et al., 1993; Cho et al., 1999). Contrariamente, a infusão ICV de um antagonista da vasopressin-1a (V1a) receptor nos machos dos ratos da pradaria bloqueia o desenvolvimento da preferência de parceiro e da agressão selectiva, mesmo após a experiência de acasalamento prolongado (Winslow et al., 1993). A AVP também pode facilitar a formação de preferência de parceiro nas fêmeas, sob algumas condições experimentais (Cho et al., 1999) mas não noutras (Insel & Hulihan, 1995).
Como é que a OT e a AVP facilitam a formação de casais? Uma abordagem elegante para esclarecer esta questão recorreu à análise de OT knock-out (OTKO) mice (Freguson et al., 2000, 2001). Os ratinhos knock-out parecem ter respostas normais aos estímulos olfactivos não-sociais e exibem habilidades normais de aprendizagem espacial. Contudo, estes animais não conseguem reconhecer um congénere ou co-específico, mesmo depois de ter sido exposto a ele mais de uma vez. Injecções ICV de OT antes, mas não após, da exposição social restauram a recognição social nos ratinhos OTKO. A comparação de c-Fos imunoreactividade como um marcador de activação neuronal entre ratos machos selvagens e OTKO, acompanhada de exposição a estímulos femininos, sugere que o processamento de estímulos é normal nos ratos OTKO até atingir a amígdala medial. Os ratos selvagens, mas não os OTKO, mostram elevada indução de c-Fos na amígdala medial (Ferguson et al., 2001). A amígdala medial é um importante alvo das projecções provenientes do bulbo olfactivo e é rica em receptores de OT. A injecção de OT especificamente dentro da amígdala medial restaura a recognição social nos ratos OTKO, enquanto a injecção de OTA na mesma área nos ratos selvagens interrompe a recognição social. No entanto, nos ratos, a activaçãp dos receptores de Ot na amígdala medial durante o início da exposição social é necessária para a subsequente recognição social (Ferguson et al., 2001). Tal como os ratinhos, os ratos da pradaria dependem fortemente da olfacção para a recognição social (Cárter et al., 1995).
Uma hipótese para explicar os efeitos farmacológicos da OT sobre a preferência de parceiro nos ratos da pradaria é a de que, na amígdala medial, a OT facilita a formação de casais por aperfeiçoamento da recognição social, enquanto o OTA induz amnésia social (Young et al., 2001). Contudo, esta hipótese não explica porque razão os ratos da pradaria estabelecem relações monogâmicas e os ratos da montanha, bem como os ratinhos, não o fazem (Young et al., 2001).
Uma segunda linha de pesquisa deriva de estudos comparativos de espécies de ratos monogâmicos e não-monogâmicos. Embora a administração ICV de OT e AVP facilite a formação de preferência de parceiro nos ratos da pradaria, estes neurotransmissores não afectam o comportamento social dos ratos da montanha que, apesar de estarem relacionados, são não-monogâmicos (Winslow et al., 1993; Young et al., 1997, 1999). A oxitocina e a vasopressina medeiam os seus efeitos sobre o cérebro pela activação de receptores G-protein couple. Os padrões de expressão do receptor da OT e o V1a receptor diferem entre os ratos da pradaria e os ratos da montanha. Nos ratos da pradaria, mas não nos da montanha, o receptor da OT é expresso em níveis elevados no nucleus accumbens e no córtex pré-limbico (Insel & Shapero, 1992). O V1a receptor é expresso em níveis elevados na região do pallium ventral nos ratos da pradaria mas não nos ratos da montanha. O nucleus accumbens, o palladium ventral e o córtex pré-limbico estão associados com a via mesolímbica da dopamina, que é suposta estar envolvida nos efeitos de recompensa ou de reforço dos estímulos naturais ou psicoestimulantes (Pitkow et al., 2001). Estes dados são congruentes com a hipótese de que a OT e a vasopressina actuam nestas áreas do cérebro dos ratos da pradaria para condicionar uma preferência de parceiro (Insel & Young, 2001; Young et al., 2001). Com efeito, a injecção do OTA especificamente no nucleus accumbens ou córtex pré-límbico inibe a formação de preferência de parceiro nas fêmeas dos ratos da pradaria (Young et al., 2001), ao passo que o aumento da expressão do V1a receptor na região do palladium ventral, usando um viral vector, incrementa a preferência de parceiro e o comportamento afiliativo nos machos dos ratos da pradaria (Pitkow et al., 2001). Além disso, a neurotransmissão de dopamina no nucleus accumbens foi implicada na formação de preferência de parceiro (Wang et al., 1999; Gingrich et al., 2000). O acasalamento aumenta os níveis de dopamina no nucleus accumbens e a injeção de D2 dopamine receptor agonist quinpirole no seio do nucleus accumbens facilita a formação de preferência de parceiro nas fêmeas dos ratos da pradaria na ausência de acasalamento (Gingrich et al., 2000), sem impedir a continuação de um casal já estabelecido (wang et al., 1999). Estes dados apoiam a hipótese de que a formação de casais envolve uma preferência de parceiro condicionada e mediada, em parte, pela libertação de dopamina, OT e vasopressina durante o acasalamento.
Esta variação natural no padrão de expressão do V1a receptor pode ser importante para a variação do comportamento social em diferentes espécies de ratos. Os ratinhos transgénicos para o V1a receptor dos ratos da pradaria mostram um padrão de expressão do V1a receptor semelhante àquele observado nos ratos da pradaria e diferente do dos ratinhos selvagens, respondendo à injeção ICV de AVP com o aumento de comportamento afiliativo (Young et al., 1999).
Falta saber se estes estudos animais são relevantes para o amor humano. No cérebro humano, os receptores de oxitocina estão concentrados em diversas regiões ricas em dopamina, especialmente a substância negra e o globus pallidus, bem como a área pré-optica (Loup et al., 1991). Embora o padrão seja consistente com o cérebro monogâmico, os receptores não foram encontrados no estriatum ventral ou pallidum ventral, áreas nas quais os receptores V1a da oxitocina e da vasopressina são abundantes nos ratos e macacos monogâmicos (Wang et al., 1997). Ainda não existe evidência de que estas vias estejam envolvidas na vinculação humana (Carter, 1998).
Bartels & Zeki (2000) realizaram um «functional magnetic resonance imaging (fMRI) study of adults looking at pictures of their partners, as opposed to close non-romantic friends» e descobriram activação bilateral no cingulate anterior (Brodmann’s area 24), insula medial (Brodmann’s area 14), bem como no caudate e putamen. Este padrão de activação cortical era distinto daquele obtido por estudos anteriores de recognição facial, atenção visual, excitação sexual ou outros estados emocionais, mas assemelha-se aos resultados prévios de um «fMRI study of new mothers listening to infant cries» (Lorberbaum et al., 1999). Ambos os estudos da vinculação humana revelam marcada sobreposição entre o padrão de activação «when looking or hearing a loved one» e um relato anterior de activação durante a euforia induzida por cocaína (Breiter et al., 1997). Esta sobreposição sugere que as vias que medeiam as propriedades hedonistas dos psico-estimulantes estão também envolvidas, como sistema neural, na vinculação social. (Estudos recentes fornecem evidência nesse sentido) Estes resultados apontam no sentido do amor ser uma adição.
(Este texto é um resumo incompleto de outro estudo da minha Tese de Doutoramento. Muitos resultados, referências bibliográficas, tabelas e figuras foram omitidos, bem como partes de texto. A designação dalgumas estruturas cerebrais ficaram em inglês.)
J FRANCISCO SARAIVA DE SOUSA