quarta-feira, 5 de setembro de 2007

CyberFilosofia e Teoria da Informação II

A PROBLEMÁTICA SEMIÓTICA DA COMUNICAÇÃO




«Podemos, portanto, conceber uma ciência que estude a vida dos sinais no seio da vida social; ela formaria uma parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral. Chamar-lhe-emos semiologia. Estudaria em que consistem os sinais, que leis os regem. [...] A linguística não é mais do que uma parte dessa ciência geral, as leis que a semiologia descobrir serão aplicáveis à linguística, e esta achar-se-á assim ligada a um campo bem definido no conjunto dos factos humanos» (SAUSSURE).

«A lógica, em sentido geral, é, como entendo Ter demonstrado, apenas outra denominação da semiótica, a quase necessária ou formal doutrina dos signos» (PEIRCE).


«Em suma é necessário admitir a partir de agora a possibilidade de inverter um dia a proposição de Saussure: a linguística não é uma parte, mesmo privilegiada, da ciência geral dos signos, é a semiologia que é uma parte da linguística: mais precisamente a parte que toma a seu cargo as grandes unidades significantes do discurso; surgiria assim a unidade das investigações que se fazem actualmente em antropologia, em sociologia, em psicanálise e em estilística à volta do conceito de significação» (BARTHES).



1. COMUNICAÇÃO, SIGNIFICAÇÃO E SIGNOS

Os modelos processuais da comunicação colocam a ênfase no processo de comunicação e assumem que a comunicação é a transferência de uma mensagem de A para B. Consequentemente, as suas preocupações principais são o meio, o canal, o transmissor, o receptor, o ruído e o feedback. Todos estes termos relacionam-se com o processo de enviar uma mensagem.
A problemática semiótica da comunicação coloca a ênfase na comunicação como geradora de significação. Consequentemente, as suas principais preocupações são o signo, a significação, o ícone, o índice, a denotação e a conotação. Todos estes termos referem-se às várias formas de criar significação.
Os modelos da comunicação que derivam desta última problemática não são modelos lineares, nos quais as setas indicam a circulação da mensagem: são modelos estruturais e as setas indicam relações entre elementos nessa criação de significação. Ao contrário dos modelos processuais, os modelos estruturais não assumem uma série de fases ou estádios pelos quais uma mensagem passa: concentram-se, em vez disso, na análise de um conjunto estruturado de relações que permitem à mensagem significar algo.

A Semiótica. A semiótica (ou semiologia) é o estudo dos signos e da forma como eles funcionam. Tem três áreas de estudos principais:

1. O signo. Consiste no estudo de diferentes variedades de signos, das diferentes maneiras através das quais estes veiculam significado e das maneiras pelas quais se relacionam com as pessoas que os utilizam.
2. Os códigos. São sistemas em que os signos se organizam. O estudo dos códigos cobre as formas desenvolvidas por uma variedade de códigos para satisfazer as necessidades de uma sociedade ou de uma cultura, ou para explorar os canais de comunicação disponíveis para a sua transmissão.
3. A cultura. A cultura é a matriz no interior da qual estes códigos e signos se encontram organizados e que, por sua vez, depende do uso destes códigos e signos no que diz respeito à sua própria existência e forma.

Os modelos semióticos e os modelos processuais distinguem-se uns dos outros em dois aspectos fundamentais:

— Os modelos semióticos centram a sua atenção essencialmente no texto; os modelos processuais não dão ao texto mais atenção do que a qualquer outro estádio do processo e alguns desses modelos até passam pelo texto quase sem nenhum comentário.
— Os modelos semióticos consideram que o receptor, ou melhor, o leitor, desempenha um papel mais activo do que na maioria dos modelos processuais, com excepção do de Gerbner. Com efeito, o termo leitor implica um maior grau de actividade e aponta para a ideia de que a leitura é algo que aprendemos a fazer: ela é determinada pela experiência cultural do leitor. O leitor ajuda a criar o significado do texto, trazendo até ele a sua experiência, atitudes e emoções.

Signos e Significação. Os modelos da significação têm em comum uma forma geralmente semelhante, na medida em que cada um deles se preocupa com três elementos que, de uma maneira ou de outra, têm que estar envolvidos em qualquer estudo da significação. Estes elementos são:

1. o signo;
2. aquilo a que ele se refere;
3. e os utentes do signo.

O signo é algo físico, perceptível pelos nossos sentidos e refere-se a algo diferente de si mesmo e depende do reconhecimento, por parte de quem o usa, de que é um signo.
Dos modelos da significação propostos destacaremos três fundamentais: os modelos de C. S. Peirce, de Ogden e Richards e de Ferdinand de Saussure.

MODELO DA SIGNIFICAÇÃO DE PEIRCE. Peirce considera o signo, aquilo a que ele se refere e os seus utentes como os três vértices de um triângulo. Cada um deles está intimamente relacionado com os outros dois, não podendo ser compreendido sem eles. A seta bidireccional indica precisamente que cada termo só pode ser compreendido em relação com os outros. Um signo refere-se a algo diferente de si mesmo — o objecto — e é compreendido por alguém, ou seja, tem um efeito na mente do utente — o interpretante. O interpretante não é o utente, mas o próprio «efeito significativo»: um conceito mental produzido tanto pelo signo como pela experiência que o utente tem do objecto. Daqui resulta uma outra diferença entre os modelos semióticos e os modelos processuais. Esta diferença reside no facto dos modelos processuais não fazerem distinção entre codificador e descodificador. O interpretante é o conceito mental do utente do signo, seja este utente orador ou ouvinte, escritor ou leitor, pintor ou espectador. Descodificar é tão activo e criativo como codificar.

MODELO DA SIGNIFICAÇÃO DE OGDEN E RICHARDS. Elaboraram um modelo triangular da significação bastante semelhante ao de Peirce. O seu referente corresponde, aproximadamente, ao objecto de Peirce; a sua referência ao interpretante; o seu símbolo ao signo. No seu modelo, referente e referência estão directamente ligados e o mesmo acontece com o símbolo e a referência. Mas a ligação entre símbolo e referente é indirecta ou imputada. Este desvio quanto à relação equilateral do modelo de Peirce aproxima Ogden e Richards de Saussure, o qual também atribui uma importância mínima à relação do signo com a realidade exterior. Tal como Saussure, Ogden e Richards colocam o símbolo na posição-chave: os nossos símbolos dirigem e organizam os nossos pensamentos ou referências e as nossas referências organizam a nossa percepção da realidade. Em Ogden e Richards, símbolo r referência aproximam-se do significante e do significado de Saussure.

MODELO DA SIGNIFICAÇÃO DE SAUSSURE. Peirce preocupou-se com o entendimento que temos da nossa experiência e do mundo que nos rodeia e, por isso, interessou-se pela significação, encontrando-a nas relações estruturais entre signos, pessoas e objectos. Saussure interessou-se mais pela linguagem e, por isso, preocupou-se com a forma como os signos se relacionavam com outros signos. Assim, o modelo de Saussure difere do de Peirce quanto à ênfase que dá ao próprio signo. Para Saussure, o signo é um objecto físico que consiste num significante e num significado. O significante é a imagem do signo tal como a percebemos; o significado é o conceito mental a que se refere. O conceito mental é comum, em termos gerais, a todos os membros da mesma cultura que partilham a mesma língua. Existem semelhanças entre o significado de Saussure e o signo de Peirce e entre o significante de Saussure e o interpretante de Peirce. Contudo, Saussure está menos preocupado do que Peirce com a relação destes dois elementos com o objecto ou significado externo segundo Peirce. Quando Saussure se lhe refere, chama-lhe significação, sem lhe dedicar muito tempo. Os significados são muito mais o produto de uma cultura particular do que os significantes.

Segundo Saussure, a questão “O que é que o signo boi significa?” só pode ser respondida à luz do que não podemos significar através desse signo. A questão semiótica fundamental é, portanto, a seguinte: Como é que os signos significam? Saussure e Peirce procuram a significação nas relações estruturais; contudo, Saussure acrescenta uma nova relação: a relação entre um signo e os outros signos do mesmo sistema, ou seja, a relação entre um signo e os outros signos que ele poderia supostamente ser, mas que não é. Assim, a significação de um signo é determinada pela sua diferença relativamente a outros signos do mesmo sistema. De acordo com este modelo da significação, os significados são os conceitos mentais que utilizamos para dividir a realidade e para a categorizar de forma a podermos compreendê-la. As fronteiras entre uma e outra categorias são artificiais. A natureza é um todo e os significados são feitos pelas pessoas e determinados pela cultura ou subcultura à qual pertencem. Fazem parte do sistema linguístico ou semiótico usado pelos membros dessa cultura para comunicarem entre si. Assim, a significação de um signo é determinada não pela natureza da realidade a que se refere, mas pelas fronteiras dos significados relacionados dentro desse sistema. À relação do signo com os outros signos no interior de um sistema chama Saussure valor. O valor determina a significação.
A semiótica considera a comunicação como geração de significação nas mensagens, quer pela parte do codificador, quer pela parte do descodificador. A significação é um processo activo de negociação, resultante da interacção dinâmica entre signo, interpretante e objecto. Encontra-se historicamente situada e pode mudar com os tempos. Peirce chamou-lhe «semiose»: o acto de significar.

Categorias de Signos. Peirce introduziu três categorias de signos, cada uma das quais mostra uma relação diferente entre o signo e o seu objecto ou aquilo a que se refere: O ícone, o índice e o símbolo.

1. Num ícone, o signo assemelha-se, de algum modo, ao seu objecto: parece-se ou soa como ele.
2. Num índice, há uma ligação directa entre o signo e o seu objecto: os dois estão realmente ligados.
3. Num símbolo, não existe ligação ou semelhança entre signo e objecto: um símbolo comunica apenas porque as pessoas concordaram que ele deve representar aquilo que representa.

Uma fotografia é um ícone, o fumo é um índice de fogo e a palavra é um símbolo.
Os seguidores de Saussure reconheceram que a forma física do signo (significante) e o conceito mental que lhe está associado (significado) podem estar relacionados de uma forma icónica ou de uma forma arbitrária.

1. Numa relação icónica, o significante assemelha-se ou soa como o significado;
2. Numa relação arbitrária, os dois relacionam-se apenas por acordo dos utentes.

Aquilo a que Saussure chama relações icónicas e relações arbitrárias entre significante e significado corresponde, precisamente, aos ícones e símbolos de Peirce.

Saussure e Peirce atribuíram um papel crucial ao signo na abordagem semiótica da comunicação e consideravam ser necessário categorizar os signos quanto à relação entre significante e significado (nos termos de Saussure) ou quanto à relação entre signo e objecto (nos termos de Peirce). Contudo, a análise que Saussure faz do signo relega para segundo plano a significação — a relação do significado com a realidade exterior ou, segundo Peirce, a do signo com o objecto. Saussure está mais preocupado com a relação do significante com o significado e de um signo com outro os signos. O termo saussuriano significado tem semelhanças com o interpretante de Peirce, mas Saussure nunca usa o termo «efeito» para relacionar o significante com o significado: quer dizer que não estende o seu interesse ao domínio do utente.
R. Barthes e P. Guiraud assumiram a tarefa de desenvolver a semiologia proposta por Saussure. Introduziram novos termos para estudar a relação entre significante e significado, tais como — arbitrário, icónico, motivação e coacção, os quais estão intimamente interligados.
Para Saussure, a natureza arbitrária do signo é o âmago da linguagem humana. Isto significa que não há nenhuma relação necessária entre o significante e o significado. Esta relação é determinada por convenção, regra ou acordo entre os utentes. Assim, os signos a que ele chama arbitrários correspondem exactamente àqueles a que Peirce chamou símbolos. Como Peirce, Saussure pensava que esta era a categoria mais importante e mais desenvolvida dos signos.
Os saussurianos posteriores utilizaram o termo icónico no sentido de Peirce: um signo icónico é aquele em que a forma do significante é, até certo ponto, determinada pelo significado.
Os termos motivação e coacção são usados para descrever até que ponto o significado determina o significante; são, praticamente, permutáveis. Um signo altamente motivado é muito icónico: uma fotografia é muito mais motivada do que um sinal de trânsito. Um signo arbitrário não é motivado. Mas podemos empregar o termo coacção para designar a influência que o significado exerce sobre o significante. Quanto mais motivado for o signo, mais o seu significante é coagido pelo seu significado. Quanto menos motivado for o signo, mais importante é que tenhamos aprendido as convenções acordadas entre os utentes: sem elas o signo permanece sem significado ou susceptível de descodificação aberrante.

Convenção. A convenção é a dimensão social dos signos: é o acordo entre os utentes a respeito dos usos e reacções adequados a um signo. Os signos sem dimensão convencional são puramente privados e, como tal, não comunicam. Portanto, pode ser útil considerar a distinção entre signos arbitrários e signos icónicos, ou entre símbolos e ícones/índices como uma escala e não como categorias separadas. Num extremo da escala temos o signo puramente arbitrário — o símbolo. Na outra extremidade temos a noção pura de ícone que, evidentemente, não pode existir na prática. Na extremidade esquerda da escala estão os signos 100% arbitrários, convencionais, não motivados, não coagidos. No meio estão os signos mistos, situados de acordo com o seu grau de motivação.

A Organização dos Signos. Saussure definiu duas maneiras dos signos se organizarem em códigos. A primeira é por paradigmas. Um paradigma é um conjunto de signos donde se escolhe aquele que vai ser usado. A segunda é a sintagmática. Um sintagma é a mensagem na qual os signos escolhidos se combinam. Na linguagem, podemos dizer que o vocabulário é o paradigma e a frase é um sintagma. Portanto, todas as mensagens envolvem selecção (a partir de um paradigma) e combinação (num sintagma).
Um paradigma é um conjunto a partir do qual é feita uma escolha e apenas uma unidade desse conjunto pode ser escolhida. Exemplo: as letras do alfabeto que formam o paradigma para a linguagem escrita. Ilustram duas características básicas de um paradigma:

· Todas as unidades de um paradigma devem ter algo em comum: devem partilhar características que determinam a sua pertença a esse paradigma.
· No paradigma, cada unidade deve ser claramente diferenciada de todas as outras. Os meios pelos quais distinguimos um significante do outro designam-se por características distintivas de um signo.

Em suma: Onde há escolha há significado e o significado do que foi escolhido é determinado pelo significado do que não o foi.
Uma vez escolhida uma unidade de um paradigma, ela é normalmente combinada com outras unidades. A essa combinação chama-se um sintagma. Os aspectos mais importantes dos sintagmas são as regras ou convenções através das quais é feita a combinação das unidades. Chama-se a isso gramática ou sintaxe. Para Saussure, a chave para a compreensão dos signos era a compreensão da sua relação estrutural com os outros. Existem dois tipos de relação estrutural: a paradigmática, a da escolha, ou a sintagmática, a da combinação.
Códigos. Os códigos são sistemas em que os signos se organizam. Estes sistemas regem-se por regras que são aceites por todos os membros de uma comunidade que usa esse código. O estudo dos códigos é assim levado a realçar frequentemente a dimensão social da comunicação.
Quase todos os aspectos da nossa vida social que são convencionais ou regidos por regras aceites pelos membros da sociedade podem ser considerados codificados. Por isso, torna-se necessário distinguir dois tipos básicos de códigos:

1. Os códigos de comportamento (código das boas maneiras, código legal) que se relacionam com as práticas sociais dos seus utentes; e
2. Os códigos significativos que são sistemas de signos.

Iremos estudar apenas os códigos significativos. Estes partilham um determinado número de características básicas:

· Têm um número de unidades (ou, às vezes, uma unidade) a partir das quais é feita a selecção. Esta é a dimensão paradigmática. Estas unidades podem ser combinadas através de regras ou convenções. Esta é a dimensão sintagmática.
· Todos os códigos veiculam significado: as suas unidades são signos que se referem, por vários meios, a algo diferente delas mesmas.
· Todos os códigos dependem de um acordo entre os seus utentes e de uma experiência cultural comum. Códigos e cultura inter-relacionam-se dinamicamente.
· Todos os códigos desempenham uma função social ou comunicativa identificável.
· Todos os códigos são transmissíveis pelos seus meios e/ou canais de comunicação adequados.

Códigos Analógicos e Digitais. Existem dois tipos de paradigmas que dão o seu nomes a dois tipos de códigos: o analógico e o digital. Um código digital é aquele cujas unidades (sejam significantes ou significados) estão claramente separadas; um código analógico é aquele que funciona numa escala contínua.

Códigos Representativos e Apresentativos. Os códigos não são apenas sistemas para organizar e compreender dados: eles desempenham funções comunicativas e sociais. Uma forma de categorizarmos essas funções é distinguir entre códigos representativos e códigos apresentativos. Os códigos representativos são usados para produzir textos, , ou seja, mensagens com uma existência independente. Um texto representa algo independente de si mesmo e do seu codificador. Um texto é composto por signos icónicos ou simbólicos. Os códigos apresentativos são indiciais: não podem referir-se a algo independente deles mesmos e do seu codificador. Indicam aspectos do comunicador e da sua situação social actual.

Comunicação não-verbal. A comunicação não-verbal realiza-se através de códigos apresentativos como gestos, os movimentos dos olhos ou os tons de voz. Estes códigos apenas podem transmitir mensagens acerca do aqui e agora. Os códigos apresentativos estão, pois, limitados à comunicação frente a frente ou à comunicação onde o comunicador está presente. Têm duas funções:

— A primeira é a de veicular informação indicial sobre o orador e a sua situação, através da qual o ouvinte fica a conhecer a sua identidade, emoções, atitudes ou posição social.
— A segunda é a da gestão da interacção. Os códigos são usados para gerir o tipo de relação que o codificador quer ter com o outro.

Códigos Elaborados e Restritos. Basil Bernstein estudou os diferentes usos da linguagem verbal feitos pelas crianças e, deste estudo, concluiu que existem dois tipos de códigos, cujo uso depende da classe social de que faz parte o seu utente. Assim, as crianças da classe trabalhadora falam de modo diferente das crianças da classe média. Para explicar esta diferença, Bernstein alegou que as crianças da classe trabalhadora utilizavam um código restrito e que as crianças da classe média utilizavam um código elaborado.

Códigos de grande e de pequena Difusão. Os códigos restritos e elaborados definem-se pela natureza do próprio código e pelo tipo de relação social que ele satisfaz. Os códigos de grande e de pequena difusão definem-se pela natureza do auditório. Um código de grande difusão é aquele que é partilhado por membros de um grande público: tem de Ter em conta um certo grau de heterogeneidade. Um código de pequena difusão, por seu lado, destina-se a um auditório específico, muitas vezes definido pelos códigos que usa.

Os Códigos e o Comum. Todos os códigos assentam em algo comum, ou seja, num acordo dos utentes quanto aos seus elementos básicos — as unidades que contêm, as regras segundo as quais essas unidades podem ser seleccionadas e combinadas, os significados à disposição do receptor e a função social ou comunicativa que desempenham. A forma como esse acordo é conseguido e a forma que assume podem variar consideravelmente, mas existem três formas relevantes de alcançar o acordo: por convenção e uso, por acordo explícito e por pistas contidas no texto.

Convenção e uso. A convenção e o uso são as formas mais usadas para alcançar o acordo. As expectativas que temos em relação a muitos assuntos derivam de uma experiência partilhada pelos membros de uma cultura. Todos esperam que as coisas acontecem em conformidade com essas expectativas comuns. A convenção assenta na redundância: facilita a descodificação, exprime pertença cultural, baseia-se na semelhança das experiências e transmite segurança. Também pode produzir conformismo, falta de originalidade e resistência à mudança. Exemplo: o código do vestuário.

Códigos Arbitrários ou Códigos Lógicos. Os códigos arbitrários são códigos em que o acordo entre os utentes é explícito e definido. São códigos cuja relação entre os significantes e os significados é afirmada e acordada. São simbólicos, denotativos, impessoais e estáticos. Exemplos: as linguagens artificiais da matemática e da lógica simbólica. As descodificações aberrantes são impossíveis, as diferenças culturais irrelevantes. O significado não é negociado entre leitor e texto: está contido na mensagem. Tudo o que se exige é a aprendizagem do código.

Códigos Estéticos. Os códigos estéticos são mais difíceis de definir, simplesmente porque são mais variados, mais livremente definidos e mudam muito depressa. São afectados, de forma crucial, pelo seu contexto cultural: permitem ou convidam a uma considerável negociação da significação — as descodificações aberrantes são uma norma. São expressivos, na medida em que englobam o mundo interior ou subjectivo. Por si mesmos, podem ser uma fonte de prazer e de significação: o estilo é um conceito relevante. Os códigos arbitrários e lógicos são, em grande medida, referenciais. Os códigos estéticos podem desempenhar todas as funções da linguagem de Jakobson.

Chama-se convencionalização ao processo cultural corrente através do qual os códigos inovadores, não-convencionais, são gradualmente adoptados pela maioria, tornando-se assim convencionais.
Os códigos e convenções constituem o centro comum da experiência de qualquer cultura. Permitem-nos compreender a nossa existência social e localizarmo-nos dentro da nossa cultura. Apenas através dos códigos comuns podemos sentir e exprimir a pertença à nossa cultura. Ao usarmos os códigos, quer como público quer como fonte, estamos a inserir-nos na nossa cultura e a mantermos a vitalidade e a existência dessa cultura. Uma cultura é uma organismo activo, dinâmico e vivo apenas devido à participação activa dos seus membros nos códigos de comunicação.

Significação. Saussure não se preocupou com a significação como um processo de negociação entre o escritor/leitor e o texto. Privilegiou o texto e não a maneira como os signos do texto interagem com a experiência cultural e pessoal do utente e a forma como as convenções do texto interagem com as convenções experimentadas e esperadas pelo utente.
Coube a Roland Barthes criar um modelo sistemático através do qual podemos analisar a ideia negocial e interactiva da comunicação. No centro da teoria de Barthes está a ideia de duas ordens de significação.

Denotação. A primeira ordem de significação descreve a relação entre o significante e o significado no interior do signo e a relação do signo com o seu referente na realidade exterior. Barthes refere-se a esta ordem como sendo a denotação. A denotação refere-se à significação óbvia, de senso comum, do signo.

Conotação. Conotação é o termo que Barthes usa para descrever uma das três formas de funcionamento do signo, na Segunda ordem de significação. A conotação descreve a interacção que ocorre quando o signo se encontra com os sentimentos e emoções dos utentes e com os valores da sua cultura. É nessa altura que as significações se deslocam para o campo do subjectivo ou, pelo menos, do intersubjectivo; é aí que o interpretante é influenciado tanto pelo intérprete como pelo objecto ou pelo signo.
Para Barthes, o factor crítico da conotação é o significante de primeira ordem. O significante de primeira ordem é o signo da conotação. No caso das fotografias da mesma rua, a denotação é aquilo que é fotografado e a conotação é a forma como algo é fotografado. A conotação é fortemente arbitrária, específica de uma cultura, embora tenha muitas vezes uma dimensão icónica.

Mito. A Segunda das três formas de funcionamento do signo na Segunda ordem é, segundo Barthes, o mito. Para Barthes, um mito é a maneira de dada cultura pensar sobre algo, uma forma de o conceptualizar e de o compreender. Barthes pensa o mito como uma cadeia de conceitos relacionados. Se a conotação é a significação de segunda ordem do significante, o mito é a significação de segunda ordem do significado. Actuação dos mitos: Naturalizar a história. Produtos de uma classe que mantém o domínio através de uma história. Significações do mito: Transportam essa história. A sua actuação: Negação da história e apresentação das significações como naturais. Os mitos mistificam ou obscurecem as suas origens e, consequentemente, a sua dimensão político-social. «Desmistificando» os mitos, o mitologista revela a sua história oculta e, de igual modo, as suas componentes sociopolíticas.
Numa cultura não há mitos universais. Há mitos dominantes, mas também há contramitos. Os mitos mudam para responder a necessidades e valores em mudança na cultura de que fazem parte.

Símbolos. Conotação e mito são as principais formas de funcionamento dos signos na Segunda ordem de significação, isto é, na ordem em que a interacção entre o signo e o/a utente/cultura é mais activa. Mas Barthes refere uma terceira maneira de significar nesta ordem. Chama-lhe simbólica. Um objecto torna-se um símbolo quando adquire, através da convenção e do uso, um significado que lhe permite representar outra coisa. Assim, o Rolls-Royce é um índice de riqueza, mas um símbolo do estatuto social do proprietário.
A metáfora e a metonímia são, segundo Jakobson, conceitos que nos permitem identificar as maneiras fundamentais de as mensagens exercerem a sua função referencial.

Metáfora. A metáfora permite-nos exprimir o pouco habitual em termos do conhecido. Assim, se dissermos que um navio sulcou as ondas, estamos a usar uma metáfora. Estamos a usar a acção do arado para representar a proa de um navio. Os termos técnicos são «veículo» para o familiar e «tendência» para o não-familiar. Além disso, a metáfora permite-nos explorar simultaneamente a semelhança e a diferença.

Metonímia. Se a metáfora opera por transposição de qualidades de um plano da realidade para outro, a metonímia opera por associação de significações dentro do mesmo plano. A sua definição clássica é a de tomar a parte pelo todo. Para Jakobson, as metonímias são as figuras predominantes do romance, enquanto as metáforas são as figuras dominantes da poesia.
Ideologia e Significados. Significação e Cultura. Quando analisámos a teoria das duas ordens de significação de Barthes, algumas questões ficaram por formular, tais como: Como é que essas significações de Segunda ordem se enquadram na cultura em que operam? Onde surgem os mitos e as conotações?
Com efeito, existem significações que não se localizam no texto. A produção de significação é um acto dinâmico para o qual o texto e a audiência contribuem de forma igual. Quando o texto e a audiência são membros de uma cultura ou subcultura cuja malha social é densa, a interacção é suave e pouco custosa: as conotações e os mitos em que o texto assenta aproximam-se muito — quando não coincidem — com os dos membros da audiência. O leitor, juntamente com o texto, produz a significação preferida e, nesta colaboração, o leitor constitui-se como alguém com um determinado conjunto de relações com o sistema de valores dominante e com o resto da sociedade. Isto é a ideologia em acção.

Ideologia. Existem várias definições de ideologia. Contudo, R. Williams destaca três utilizações fundamentais:

1. Um sistema de crenças característico de uma determinada classe social ou grupo.
2. Um sistema de crenças ilusórias — ideias falsas ou falsa consciência — que pode contrastar com o conhecimento verdadeiro ou científico.
3. O processo geral da produção de significações e ideias.

Estas utilizações não são necessariamente contraditórias e qualquer utilização da palavra pode envolver elementos das outras.
A utilização 1 aproxima-se mais do uso que os psicólogos fazem da palavra para se referirem à forma como as atitudes se organizam num padrão coerente. Contudo, quando afirmam que a ideologia é determinada pela sociedade e não pelo conjunto, possivelmente único, de atitudes e experiências do indivíduo, os psicólogos aproximam-se dos marxistas que defendem o carácter social da ideologia.
Esta é a utilização 2 da palavra. A ideologia torna-se a categoria de ilusões e falsa consciência através da qual a classe no poder exerce o seu domínio sobre a classe trabalhadora. Na medida em que a classe no poder controla os principais meios (sistemas educativo, político e jurídico, os mass media e as editoras) pelos quais a ideologia é propagada e divulgada na sociedade, ela pode fazer com que a classe trabalhadora veja a sua subordinação como «natural» e, por isso, certa. Assim, as significações geradas por qualquer texto são parcialmente determinadas pelas significações de outros textos com os quais se assemelha. Chama-se a isso intertextualidade.
A utilização 3 é a mais englobante das três. A ideologia é aqui um termo usado para descrever a produção social de significações. É assim que Barthes o emprega quando fala dos significantes da conotação como «a retórica da ideologia». A ideologia, assim usada, é a fonte de significações de segunda ordem. Os mitos e os valores conotados são o que são devido à ideologia: eles são as suas manifestações utilizáveis.

Signos, Ideologia e Significados. Na perspectiva semiótica, a ideologia funciona para produzir significação através de signos. Todos os actos de comunicação participam no processo ideológico normal de significação. Fundamentais para este processo são os valores conotados e os mitos comuns aos membros de uma cultura. A única forma de eles se estabelecerem e manterem comuns é através da sua utilização frequente na comunicação. Sempre que um signo é utilizado, ele reforça a vida das suas significações de Segunda ordem tanto na cultura como no utente.
Fiske desenvolve um modelo triangular de interacções entre utente, signo e mitos/conotações. As inter-relações indicadas pelas setas bidireccionais dependem todas, quanto à sua existência e desenvolvimento, da sua utilização frequente. O utente do signo mantém-no em circulação ao utilizá-lo, e só preserva os mitos e valores conotados da cultura ao reagir à sua utilização na comunicação. A relação entre os signos e os seus mitos e conotações, por um lado, e o utente, por outro, é uma relação ideológica.
Os signo dão uma forma concreta aos mitos e valores e, ao fazê-lo, confirmam-nos ao mesmo tempo que os tornam públicos. Ao utilizarmos os signos, estamos a conservar e dar vida à ideologia, mas também somos formados por essa ideologia e pela nossa reacção aos signos ideológicos. Quando os signos tornam públicos os mitos e valores, permitem-lhes desempenhar a sua função de identificação cultural — permitem aos membros de uma cultura identificar a sua pertença a essa cultura através da aceitação de mitos e valores comuns, partilhados por todos. A minha ideologia determina assim as significações que encontro na minha interacção com esses signos. Os conotadores e mitos são, segundo Barthes, «a retórica da minha ideologia».
Na perspectiva semiótica, a ideologia é fundamentalmente uma prática. Ao participar na prática da significação da minha cultura, sou o meio pelo qual a própria ideologia se mantém. As significações que descubro num signo derivam da ideologia na qual eu e o signo existimos: ao encontrar essas significações, defino-me a mim mesmo relativamente à ideologia e relativamente à minha sociedade. A ideologia é, portanto, uma maneira de fazer sentido, mas o sentido que faz tem sempre uma dimensão social e política. Sob este prisma, a ideologia é uma prática social, como já tinha observado Althusser.

Compreender a Ideologia. A teoria da ideologia como prática foi desenvolvida por L. Althusser, que, retomando ideias de Saussure e de Freud, procurou aprofundar a teoria marxista da ideologia.

TEORIA DE MARX. Para Marx, a ideologia era o meio pelo qual as ideias da classe dominante passavam a ser aceites na sociedade como naturais e normais. Todo o conhecimento está baseado nas classes: traz inscritas em si as origens de classe e actua de modo a defender os interesses dessa classe. Marx considerava que os membros da classe oprimida eram levados a entender a sua experiência social, as suas relações sociais e, consequentemente, a si próprios, através de um conjunto de ideias que não eram as deles, que provinham de uma classe cujos interesses económicos e, portanto, políticos e sociais, não só eram diferentes dos seus como se lhes opunham activamente.
Marx considerava que a ideologia da burguesia mantinha o proletariado num estado de falsa consciência. A consciência que as pessoas têm de quem são, de como se relacionam com o resto da sociedade e, portanto, do sentido que conferem à sua experiência social, é produzida pela sociedade e não pela natureza ou pela ideologia. A nossa consciência é determinada pela sociedade em que nascemos, não pela nossa natureza ou psicologia individual.
O conceito de ideologia como falsa consciência permite-nos explicar a razão porque a maioria, nas sociedades capitalistas, aceitava um sistema que a desfavorecia. Ao favorecer os factores económicos em detrimento dos factores ideológicos, Marx acreditava que o proletariado acabaria por derrubar revolucionariamente a sociedade capitalista e por implantar uma sociedade sem classes (o comunismo). Num tal sociedade — justa e igualitária — não há necessidade de ideologia, porque todos terão uma «verdadeira consciência» de si mesmos e das suas relações sociais.

TEORIA DE ALTHUSSER. Althusser desenvolveu uma teoria da ideologia mais sofisticada que a de Marx e, libertando-a de uma relação entre a base económica e a superestrutura jurídico-política e ideológica, redefiniu-a como um conjunto de práticas, contínuo e abrangente, onde todas as classes participam, mais do que como um conjunto de ideias impostas por uma classe sobre a outra classe. A participação de todas as classes nestas práticas ideológicas significa que a ideologia é muito mais eficiente do que Marx pensava, porque opera de dentro para fora, e não de fora para dentro — está inscrita profundamente nas maneiras de pensar e de viver de todas as classes. As práticas ideológicas continuam a servir os interesses da classe dominante, mas de um modo muito mais eficiente do que o proposto por Marx.
A interpelação ou apelo é uma das práticas ideológicas mais universal e insidiosa. A interpelação é praticada em todos os actos de comunicação. Toda a comunicação se dirige a alguém e, ao fazê-lo, coloca as pessoas numa relação social. Ao reconhecermos como destinatários e reagindo à comunicação estamos a participar na nossa própria construção social e, por isso, ideológica. Toda a comunicação nos interpela ou chama de algum modo. Assim, por exemplo, o anúncio de uma bebida alcoólica convida-nos a identificarmo-nos com a maneira masculina de dar sentido ao álcool e à sedução e, como tal, a nós próprios: tornamo-nos assim no leitor interpelado pelo anúncio. Isto significa que a interpelação nos pode posicionar numa categoria ideológica que pode diferir da nossa real categoria social. A comunicação é um processo social e, por isso, tem que ser ideológica: a interpelação é um elemento-chave na prática ideológica da comunicação.

TEORIA DE GRAMSCI. As teorias da ideologia de Marx e de Althusser sublinham o papel da ideologia na manutenção do poder da minoria sobre a maioria por meios não coercitivos — violência simbólica. António Gramsci introduziu um novo termo no estudo da ideologia: o conceito de hegemonia que poderá ser entendido no sentido de ideologia como luta. A hegemonia implica a constante conquista e reconquista do consentimento da maioria em relação ao sistema que a subordina. Os dois elementos que Gramsci valoriza mais do que Marx ou Althusser são a resistência e a instabilidade.
Com efeito, a ideologia dominante encontra, constantemente, resistências que tem que ultrapassar para conquistar o consentimento das pessoas relativamente à ordem social que está a promover. Estas resistências podem ser ultrapassadas, mas nunca são eliminadas. Por isso, qualquer vitória hegemónica, qualquer consentimento que ela conquiste, são necessariamente instáveis; nunca podem ser tomados como certos ou seguros. Têm que ser constantemente ganhos e reconquistados.
O senso comum é uma das estratégias fulcral da hegemonia. Se as ideias da classe dominante podem ser aceites como senso comum, então o seu objectivo é alcançado e o seu trabalho ideológico disfarçado. O consentimento em relação ao saber comum é sempre uma vitória hegemónica da minoria sobre a maioria. O conhecimento do senso comum é a ideologia dominante disfarçada: as suas ideias são as ideias da classe dominante e quem as interioriza deixa de estar disponível para as ideias mais adequadas à sua situação social. A sua consciência social é falsa, porque as suas ideias conscientes não correspondem às suas ideias reais ou mesmo possíveis. Através da interiorização do senso comum, o inimigo instala-se na mente daquele que deveria tomar consciência da realidade para a poder melhorar.

As teorias da ideologia expostas sublinham que toda a comunicação e todas as significações têm uma dimensão sociopolítica e que não podem ser compreendidas fora do seu contexto social — a noção de contextualidade numa perspectiva sociológica. A ideologia favorece sempre o status quo, pois as classes no poder dominam não só o aparelho repressivo de Estado e a produção e distribuição dos bens, como também dominam a produção e a distribuição das ideias e das significações — os aparelhos ideológicos de Estado. O sistema económico organiza-se em função dos seus interesses e o sistema ideológico deriva deles, operando para os promover, naturalizar e disfarçar. Sejam quais forem as diferenças entre elas, todas as teorias da ideologia concordam que a ideologia funciona para manter o domínio de uma classe sobre a maioria; as diferenças entre ideologias residem nas formas de exercício do seu domínio, no seu grau de eficácia e na extensão da resistência que enfrentam.
Se a ideologia é como a define Peter Berger — o conjunto das concepções que servem para justificar os privilégios de algum grupo —, então a análise ideológica só pode ser possível como uma certa forma de desmistificação, porque o motivo desmistificador da consciência sociológica crítica está nessa penetração das cortinas de fumaça verbais, pelas quais se atinge as fontes não admitidas e, muitas vezes, desagradáveis da acção social. Se a ideologia mistifica a realidade social e histórica — subjectiva e objectivamente, então a análise ideológica desmistifica essa mistificação ideológica, apontando para a necessidade da mudança social qualitativa. Análise ideológica é, pois, crítica da ideologia.
Terminamos estas breves indicações sobre o conceito de ideologia citando dois importantes textos:

«Ao nascer (os homens) encontram-se perante uma representação já feita, existente na sociedade, tal como já encontram estabelecidas as relações políticas e as relações de produção dentro das quais deverão viver. Do mesmo modo que nascem «animais económicos» e «animais políticos», poderíamos dizer que os homens nascem «animais ideológicos».
«Tudo se passa como se os homens tivessem necessidade, para poder existir como seres sociais conscientes e activos na sociedade que condiciona e determina toda a sua existência, de dispor de uma certa «representação» do mundo em que vivem, representação essa que pode permanecer em grande parte inconsciente ou ser, pelo contrário, mais ou menos consciente e pensada.
«A ideologia surge assim como uma certa «representação do mundo» que une os homens às suas condições de existência e une os homens entre si, na divisão das suas tarefas e na igualdade ou desigualdade do seu destino [...].
«As representações da ideologia acompanham, portanto, consciente ou inconscientemente, todos os actos dos indivíduos, toda a sua actividade e todas as suas relações. Se se representar a sociedade, segundo a metáfora clássica de Marx, por um edifício no qual uma supraestrutura jurídico-política assenta na infraestrutura da base, isto é, nos fundamentos económicos, deve dar-se à ideologia um lugar muito especial. Para compreender o seu tipo de eficácia torna-se necessário situá-la na supraestrutura e atribuir-lhe uma «relativa autonomia» em relação ao direito, ao Estado e à base económica que a determina «em última instância»; mas, ao mesmo tempo, para compreender a sua forma de presença mais geral, é necessário considerar que a ideologia se infiltra em todas as partes do edifício e é como que uma espécie de cimento de natureza especial que assegura a coesão e o ajustamento dos homens aos seus papéis, às suas funções e às suas relações sociais.
«De facto, a ideologia impregna todas as actividades do homem, entre elas a prática económica e a prática política; está presente nas atitudes perante o trabalho, perante os agentes da produção, perante as obrigações da produção; encontra-se nas atitudes e juízos políticos: o cinismo, a boa consciência, a resignação ou a rebeldia, etc.; governa a conduta familiar dos indivíduos e o seu comportamento para com os homens, a sua atitude perante a natureza, os seus juízos sobre o «sentido da vida» em geral e os seus diferentes cultos (Deus, o príncipe, o Estado, etc.).
«A ideologia está a tal ponto presente nos actos e nos gestos dos indivíduos que é indistinguível da sua «experiência vivida» e por isso toda a descrição imediata do «vivido» se encontra profundamente marcada pelos conteúdos da «evidência» ideológica. Quando um indivíduo (ou o filósofo empirista) julga estar perante uma percepção pura e nua da própria realidade, perante uma prática pura, perante o «vivido», o «concreto», encontra-se, na realidade, frente a uma percepção ou a uma prática impuras, marcadas pelas estruturas invisíveis da ideologia. Mas como não se apercebe da ideologia considera a sua percepção das coisas e do mundo como a percepção das «próprias coisas», sem se dar conta de que esta percepção se lhe apresenta sob o véu de formas insuspeitas de ideologia, se encontra, de facto, marcada pela estrutura invisível das formas ideológicas».
Louis Althusser (1967)


«A filosofia de Hegel é, na verdade, aquilo de que foi acusada pelos seus opositores imediatos: uma filosofia negativa. Ela é, na sua origem, motivada pela convicção de que os factos que aparecem ao senso comum como indícios positivos da verdade são, na realidade, a negação da verdade, tanto que esta só pode ser estabelecida pela destruição daqueles. A força que move o método dialéctico está nesta convicção crítica. A dialéctica está inteiramente ligada à ideia de que todas as formas do ser são perpassadas por uma negatividade essencial, e que esta negatividade determina o seu conteúdo e movimento. A dialéctica constitui a oposição rigorosa a qualquer forma de positivismo. De Hume aos positivistas lógicos da actualidade o princípio de tal filosofia tem sido o prestígio definitivo do facto, e o seu método fundamental de verificação, a observação do dado imediato. O positivismo assumiu, em meados do século XIX, e principalmente em resposta às tendências destrutivas do racionalismo, a forma de uma “filosofia positiva” que englobaria todo o saber e que iria substituir a metafísica tradicional. As figuras mais eminentes deste positivismo acentuaram com muito vigor a atitude conservadora e acrítica da sua filosofia: o pensamento era por ela induzido a contentar-se com os factos, a renunciar a transgredi-los e a submeter-se à situação vigente. Para Hegel, os factos, enquanto factos, não têm autoridade. Eles são propostos pelo sujeito, que os mediatiza pelo processo de compreensão do seu desenvolvimento. A verificação repousa, em última análise, neste processo, ao qual se relacionam todos os factos. e que lhes determina o conteúdo. Tudo o que é dado tem que se justificar ante a razão; esta nada mais é que a totalidade das capacidades da natureza e do homem.
«A filosofia de Hegel, entretanto, que começa com a negação do dado e conserva por toda a parte tal negatividade, chegará a concluir que a História atingiu a realidade da razão. Os conceitos hegelianos básicos estão ainda vinculados à estrutura social do sistema dominante e, sob este aspecto, pode dizer-se que o idealismo alemão preservou a herança da Revolução Francesa.
«Mas a “reconciliação da ideia com a realidade”, proclamada na Filosofia do Direito, de Hegel, contém um elemento decisivo que anuncia mais do que a mera reconciliação. Este elemento foi preservado e utilizado pela doutrina posterior de negação da filosofia. A filosofia atinge a sua meta quando formula a visão de um mundo no qual se realiza a razão. Se neste momento a realidade reunir as condições necessárias para materializar a razão, o pensamento pode deixar de se referir ao ideal. A verdade exigiria então a prática histórica real para realizar o ideal; ao deixar este de lado, a filosofia renuncia à sua tarefa crítica, transferindo-a a uma outra força. O ápice da filosofia é, pois, ao mesmo tempo, a sua renuncia. Libertada da preocupação com o ideal, a filosofia desobriga-se também da sua oposição à realidade. Isto significa que ela deixa de ser filosofia. Não se conclua, porém, que o pensamento deva compactuar com a ordem existente. O pensar crítico não cessa, mas assume nova forma. Os esforços da razão voltam-se para a teoria social e para a prática social» (Herbert Marcuse, 1978)

O nosso estudo anterior «O Eu e a Experiência Mediada» apresenta uma outra problemática da comunicação, fortemente influenciada pela hermenêutica, interaccionismo simbólico e fenomenologia social, a qual destaca o contexto de recepção no processo de comunicação, de modo a tornar o agente social mais criativo e menos passivo.


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J Francisco Saraiva de Sousa

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