A Galáxia Internet é mais uma obra de Manuel Castells (2001) dedicada ao estudo da interacção entre Internet, negócios e sociedade, mas já sem a ambição enciclopédica da sua obra anterior A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (3 vols.). O título reconduz-nos a outra grande obra no domínio das tecnologias da comunicação: A Galáxia de Gutenberg de Marshall McLuhan (1962). Esta recondução é feita pelo próprio Manuel Castells na Introdução, cujo título lembra outra tese defendida por McLuhan, segundo a qual «o meio é a mensagem», à qual Castells opõe esta: «A Rede é a mensagem». Como escreve Castells: «A Internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos para muitos em tempo escolhido e a uma escala global. Do mesmo modo que a difusão da imprensa no Ocidente deu lugar ao que McLuhan denominou de "Galáxia de Gutenberg", entramos agora num novo mundo da comunicação: a Galáxia Internet». De certo modo, Castells parece elaborar uma periodização das tecnologias da comunicação, na qual a Galáxia de Gutenberg está a ser rapidamente substituída, desde finais do século XX, pela Galáxia Internet. Se a primeira possibilitou «a formação do homem tipográfico», a segunda parece ser dominada por diversos tipos de ciberhomens, em particular os Hackers, as Tecno-elites, os Crackers, as Comunidades virtuais e os Empreendedores. Contudo, há uma diferença significativa entre estes dois autores: McLuhan propõe uma das filosofias da história mais importante do século XX, apresentada sob a forma de diversos mosaicos capazes de revelar as operações causais na história e alargada posteriormente ao estudo da Internet pelo seu discípulo Derrick de Kerckhove (1995), enquanto Castells se dispersa em descrições de todas ou quase todas as dimensões da vida social, embora atribua a incapacidade de levar a cabo essa ambição ao facto de não dispor da energia e do tempo suficientes para analisar aprofundamente todas essas dimensões (1) e ao facto do objecto de estudo se desenvolver e mudar muito mais rapidamente que o próprio sujeito (2). McLuhan produziu uma filosofia da história a partir das fases do desenvolvimento das tecnologias da comunicação, encaradas como «extensões do homem», cujo valor ainda não foi avaliado pelos chamados filósofos profissionais; Castells expõe muitos dados à maneira da sociologia académica, como se tivesse alcançado e definido um novo paradigma, capaz de iluminar a era da informação. Porém, Castells esquece que o modo de produção continua a ser o mesmo e que muitas das ocorrências que apresenta como "novidades" são meras invenções sociológicas, sempre retomadas para condenar um sistema imune à sua crítica. Este tipo de sociologia revela a sua incapacidade e a sua inutilidade. Actualmente, a sociologia académica é uma inimiga da mudança social qualitativa. Daí que tenda a dissolver-se num tipo de história factual e muito opinativa, avessa ao pensamento conceptual e aos seus instrumentos de trabalho: os conceitos. Este é o aspecto que devemos denunciar constantemente: a falência do sistema de ensino e de educação. As elites intelectuais não executam o seu trabalho: produzir conhecimento digno deste nome. Em vez disso, opinam e opinam muito mal, como se fossem destituídas de memória e de "arquivos dinâmicos"! O seu conhecimento é o resultado efémero de uma interface que o sujeito estabelece com certas fontes e recursos de informação presentes no momento de produzir um texto. A tirania da opinião é a face visível da regressão mental e cognitiva, um traço típico do homem metabolicamente reduzido, aquele que não precisa do pensamento para sobreviver. Castells não consegue produzir o conhecimento total e global da Internet e do seu impacto sobre a sociedade, a economia e a cultura, não porque o objecto esteja a mudar rapidamente, mas porque não é capaz de lidar com o pensamento conceptual. Em matéria de conhecimento científico, pensar é trabalhar com conceitos e saber articulá-los, de modo a elaborar sistemas teóricos capazes de iluminar a realidade em devir constante. Este trabalho exige memória e imaginação, portanto, aprendizagem de conteúdos objectivos de conhecimento, aquilo que o sistema de ensino destruiu em nome do espírito crítico. A obra de Manuel Castells é uma obra de "sociologia académica" e, como tal, reflecte as limitações intrínsecas da abordagem sociológica da Internet: ausência de teoria no sentido estrito do termo. Apesar da sua enorme erudição e da quantidade de informação que fornece sobre a sociedade em rede, Castells não consegue elaborar uma teoria unificada da Internet, capaz de orientar a pesquisa empírica, e esta incapacidade revela-se no capítulo 2 da sua obra A Galáxia Internet: Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade (2001), dedicado ao estudo da Cultura Internet. Castells começa por fazer uma distinção importante entre os produtores/utilizadores, «aqueles cujo uso da Internet re-alimenta o sistema tecnológico», e os consumidores/utilizadores, aqueles que «são receptores de aplicações e sistemas e não interagem directamente com o desenvolvimento da Internet». Esta distinção fundamenta uma outra distinção entre duas culturas: a cultura dos produtores e a cultura dos consumidores da Internet. A sua articulação constitui aquilo a que se pode chamar a Cultura Internet. As duas culturas podem ser estudadas em separado, como faz Castells, mas isso não significa que não se possa elaborar uma teoria geral da cultura Internet, integrada numa teoria da sociedade mais vasta, a nossa sociedade capitalista, que ainda não é completamente uma sociedade em rede. Castells parece ir nesse sentido quando encara a cultura Internet como «uma estrutura em quatro estratos sobrepostos: a cultura tecnomeritocrática, a cultura hacker, a cultura comunitária virtual e a cultura empreendedora», que juntas «contribuem para uma ideologia (diferencial) da liberdade». Esta estrutura é articulada de modo hierárquico: a cultura tecnomeritocrática, implantada no mundo académico, criou a Internet; a cultura hacker fortaleceu as fronteiras internas da comunidade dos tecnologicamente iniciados, tornando-a independente dos poderes instituídos e defendendo a liberdade como valor fundamental, especialmente «a liberdade de aceder à sua tecnologia e utilizá-la como lhes aprouver»; a cultura comunitária virtual apropriou-se desta capacidade de ligação em rede e ajudou a formar comunas online que «reinventaram a sociedade, expandindo consideravelmente a ligação informática em rede, no seu alcance e nos seus usos», e, assumindo os valores tecnológicos das duas culturas anteriores (liberdade, comunicação horizontal e ligação interactiva em rede), utilizaram-nos não para praticar a tecnologia pela tecnologia mas para alargar a vida social; finalmente, a cultura dos empreendedores tentou controlar o mundo, fazendo uso deste novo poder tecnológico, de modo a fazer mais dinheiro. Como escreve Castells: «A Cultura da Internet é uma cultura construída sobre a crença tecnocrática no progresso humano através da tecnologia, praticada por comunidades de hackers que prosperam num ambiente de criatividade tecnológica livre e aberta, assente em redes virtuais, dedicadas a reinventar a sociedade, e materializada por empreendedores capitalistas na maneira como a nova economia opera». Em linguagem filosófica, Castells afirma que a cultura da Internet é uma cultura moderna, sobretudo quando vista da perspectiva dos seus produtores e primeiros utilizadores, da qual apenas alguns dos diversos usos sociais da Internet, especialmente os MUD, fazem «as delícias dos teóricos pós-modernos». Em termos sintéticos, esta é a concepção de cultura da Internet apresentada por Castells, cuja fraqueza reside no seu laxismo e oportunismo metodológicos e na pobreza do seu quadro conceptual. Para Castells, «os sistemas tecnológicos produzem-se socialmente e a produção social é determinada pela cultura». A Internet é mais um sistema tecnológico produzido pela cultura dos produtores e, posteriormente, apropriada pelos consumidores/utilizadores e pelos empreendedores. Portanto, «a cultura da Internet é a cultura dos seus criadores», entendendo-se por cultura «um conjunto de crenças e valores que formam o comportamento», distinto da ideologia e da psicologia. Com este conceito de cultura, toda a argumentação de Castells entra em curto-circuito e explode. Daí a necessidade de elaborar uma ciberfilosofia capaz de iluminar o mundo na era da Internet e a práxis transformadora. J Francisco Saraiva de Sousa
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